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A invenção de Borges

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Por José Emilio Pacheco  Jorge Luis Borges. Foto: Ulf Andersen Darío, Schwob, Lugones e a literatura palimpséstica Nos últimos anos do século XIX, Buenos Aires era a capital do modernismo hispano-americano, o grande movimento de renovação que finalmente alcançou a independência literária almejada desde a época de Andrés Bello. La Nación , jornal de Bartolomé Mitre, publicava as admiráveis crônicas de José Martí. Quando Martí deixou o jornal para se dedicar à luta pela independência cubana, Rubén Darío assumiu seu lugar. Prosas profanas e Los raros são os dois livros fundamentais do período argentino de Darío. Alguns anos antes, em 1893, ele havia publicado uma série de contos em La Tribuna intitulada “Palimpsestos”, ou seja, textos escritos sobre outros textos. (O preço extremamente elevado das tabuletas e, posteriormente, do pergaminho, chegou a obrigar a reutilização da mesma página que era então apagada para permitir outros escritos. Daí a definição de palimpsesto: “Um manusc...

A vida de um homem comum

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Por Ernesto Diezmartínez  Desde os primeiros minutos de Train Dreams (Estados Unidos, 2025), a narração rouca de Will Patton deixa claro que nosso silencioso protagonista, Robert Grainier (Joel Edgerton), terá uma longa vida, que veremos condensada nos 102 minutos do segundo longa-metragem de Clint Bentley (sua notável estreia foi com Jockey , de 2021). Conhecemos Grainier aos seis ou sete anos de idade, viajando de trem para Fry, uma pequena cidade em Idaho, no final do século XIX. Não sabemos o que aconteceu com seus pais, e ele também não. A narrativa crua e onisciente nos informa o essencial: órfão desde jovem e criado por parentes naquele canto remoto do noroeste americano, Grainier entra em contato precocemente com a violência mais brutal — ele é testemunha silenciosa da deportação cruel de dezenas de trabalhadores chineses — e até mesmo com a inevitabilidade da morte — ele dá água a um pobre coitado anônimo (Clifton Collins Jr. em uma participação especial), agonizando na f...

Então eu li J. D. Salinger

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Por Guilherme França J. D. Salinger. Foto Antony Di Gesu/San Diego Historical Society Fazia uma releitura de Dom Quixote quando me deparei com um filme biográfico sobre J. D. Salinger, O rebelde no campo de centeio (2018), do diretor Danny Strong. Embora o filme não se configure exatamente como uma obra-prima cinematográfica, ele despertou em mim um profundo interesse pela leitura da obra mais célebre de Salinger, The Catcher in the Rye , publicada como romance em 1951. A partir desse contato com a vida do autor, marcada por seu notório isolamento e pelas sucessivas tentativas de consolidar um texto literário de valor, fiquei curioso para conhecer a razão do sucesso estrondoso e duradouro daquela obra. Mesmo com certa desconfiança e o peso de ter momentaneamente preterido Cervantes, mergulhei por três dias seguidos na narrativa de Salinger para tirar minhas próprias conclusões. O uso da figura de linguagem ao me referir a “ler o autor” justifica-se pelo fato de o contexto bi...

Best-sellers de outros tempos: Mary Cholmondeley, um ensopado de lentilhas da era vitoriana

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Por Javier Pérez  Mary Cholmondeley relata em seus diários que um dia, quando era muito jovem, olhou-se no espelho e se achou feia, muito feia, e que naquele exato momento decidiu se dedicar à literatura para poder falar com as pessoas sem a obrigação de está diante delas. Foi assim que, aos dezesseis anos, começou a escrever seu primeiro romance. Não sabemos até que ponto isso foi uma mania, um complexo ou um reflexo exagerado de uma certa realidade material, mas o fato é que os poucos retratos dela que sobreviveram sugerem mais um senso de humor sarcástico do que qualquer defeito estético genuíno. Cholmondeley nasceu em 1859 na casa paroquial de Hodnet, onde seu pai exercia as funções pastorais condizentes com sua posição como segundo filho de uma família aristocrática. Ela era a terceira de oito filhos. Aparentemente, sua família descendia de Hugh Cholmondeley, que participou da expedição inglesa contra a Escócia em 1542 e ajudou a repelir a invasão escocesa da Inglaterra em 155...

Seis poemas de Um Rapaz de Shropshire (1896), de A. E. Housman

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Por Pedro Belo Clara  (Seleção e versões)* A. E. Housman. Foto: Hulton-Deutsch   II. Das árvores mais adoráveis, a cerejeira, agora Cheia está de flores p’los galhos afora, Junto à trilha que põe a mata dividida, Para o tempo Pascal de branco vestida. Dos meus sessenta anos e dez mais, Vinte tornarão não mais, E se tirar vinte a setenta primaveras Com cinquenta fico, deveras. Como para ver coisas a florir Cinquenta primaveras é tempo a fugir, Às matas dirijo a passada, A ver a cerejeira de neve carregada. III. O Recruta Deixa para trás a casa tua, rapaz, E aos amigos a mão vais estender, Vai, e vá a sorte contigo, Enquanto a torre de Ludlow¹ se erguer.   Oh, regressa a casa num Domingo, Quando as ruas de Ludlow quietas estão, E os sinos de Ludlow chamam  Para a lavoura, as azinhagas, os moinhos do pão; Ou regressa numa Segunda-feira, Quando o mercado de Ludlow é um rumor E os carrilhões de Ludlow tocam “O retorno do herói conquistador”;   Regresses ...

Boletim Letras 360º #667

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DO EDITOR Saibam que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você pode obter um bom desconto e ainda ajuda a manter o Letras. A sua ajuda é essencial para que este projeto permaneça online. Roberto Bolaño. Foto: Basso Cannarsa LANÇAMENTOS Três narrativas póstumas de Roberto Bolaño, em que autobiografia, fabulação alucinada e memórias da ditadura chilena se entrelaçam no inconfundível universo literário do autor . Entre os encantos oferecidos pela leitura de Roberto Bolaño está a sensação de testemunharmos a expansão de um vasto e intrincado processo criativo. Este livro amplia ainda mais esse território ficcional com três textos póstumos, que antecipam ou dialogam com outras obras do escritor chileno. Em “Pátria”, Rigoberto Belano recorda os efeitos do golpe de estado do Chile na vida de sua família e relata as aventuras do poeta revolucionário Juan Cherniakovski, que apareceria depois em Estrela distante. A novela “Sepulcros de caubóis” acompanh...