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À procura do insólito

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Por Andrea Chapela  No início do filme, um meteorito atravessa a atmosfera da Terra e cai em um farol. Algo começa a se expandir, uma radiação que avança lentamente, cobrindo o terreno ao redor. A área afetada, dentro desse véu que altera a luz e as percepções, é a Área X, onde o DNA dos seres vivos — plantas, animais e humanos — pode se combinar para formar criaturas estranhas. É algo incomum, desconhecido, perigoso, e por isso, como se para compreendê-lo, o governo envia seus melhores cientistas para investigar, mas apenas um deles, uma bióloga chamada Lena, retornou. Essa é a história, pelo menos o começo, de Aniquilação (2018), um filme baseado no livro homônimo de Jeff VanderMeer, um dos mais conhecidos expoentes do gênero New Weird . Ele próprio, juntamente com sua esposa Ann VanderMeer, editou as antologias The New Weird (2007) e The Weird (2012), que deram nome ao gênero e reacenderam a discussão em torno dele. Nesse gênero, o cotidiano se torna estranho e o estranho se ...

Um jardim fiel de materialidades em fé

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Por Tiago D. Oliveira Adélia Prado. Foto: Nana Moraes Respondendo a um de seus seguidores nas redes sociais, Adélia Prado — que aos 89 anos se reinventa lendo poemas, lançando perguntas e dialogando com leitores a partir de sua obra — diz que um de seus salmos favoritos é “Pequei, Senhor, misericórdia”. Em seguida, cita: “livrai-me da memória do pecado em meu espírito”, reafirmando a voz inigualável dessa poética que constrói destinos. “Eu queria ter escrito isso, porque a memória do crime praticado é pior do que o crime. O perdão pleno é esse que nos livra da memória do crime.” A poesia, para Adélia, seria talvez um campo de reações e experimentos onde a fé se ancora diretamente nas diversas fases da vida. Vencedora dos prêmios Camões e Machado de Assis, a autora reúne reconhecimentos que contemplam “o conjunto da obra”, que se tratando de Adélia,  nunca deixa de surpreender. A “paciência das tardes” pode sugerir uma boa metáfora para o percurso de leitura do novo livro da poeta m...

Boletim Letras 360º #666

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DO EDITOR Saibam que na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você pode obter um bom desconto e ainda ajuda a manter o Letras. A sua ajuda é essencial para que este projeto permaneça online. LANÇAMENTOS Moscou feliz é uma novela icônica do escritor soviético Andrei Platônov, inédita em português .  O título é uma referência à personagem principal, Moscou Tchestnova, uma jovem órfã, criada pela revolução, que sonha em se tornar paraquedista. A protagonista encarna a promessa eufórica de um tempo em que os filhos do proletariado acreditavam ser possível construir o futuro com as próprias mãos, em meio a uma sociedade de alta inovação técnica e científica. A personagem e sua história se confundem com a da própria União Soviética. Uma jovem mulher que acredita poder seguir seus desejos, relacionar-se livremente e escolher a profissão que quiser, mas que se depara com os desafios e limites que a impedem de encontrar a plenitude prometida. Inédito e ce...

Fédon ou sobre a alma — Sócrates decide morrer

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Por Afonso Junior Uma cela, um condenado à morte, um grupo de amigos e discípulos. Fédon de Élis, ex-escravizado de guerra e discípulo de Sócrates, é instado pelo pitagórico Equécrates de Fliunte a narrar “o que disse o homem diante da morte” ( Phaedo , 57a).  Algumas horas antes de morrer, Sócrates tem dois desafios: provar que a alma é imortal (portanto, que não irá morrer) e provar que a causa-origem do mundo como nos aparece é algo invisível, talvez transcendental — como afirma Gabriele Cornelli na sua introdução da (também sua) tradução do Fédon , “as coisas sensíveis querem imitar os paradigmas, mas sempre falham” (Platão, 2025, p. 37). No final, o mito, falando de uma “Terra em si”, a qual seria “pura no puro céu”, vem nos ajudar: “As estações são tão amenas que aqueles que lá habitam não ficam doentes e vivem muito mais do que aqueles daqui. Quanto à vista, ouvido, intelecto e todas as faculdades do gênero, eles nos superam em pureza no mesmo grau em que o ar supera a ...

Os substitutos, de Bernardo Carvalho

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Por Pedro Fernandes Bernardo Carvalho. Foto: Phil Dera De alguma maneira, eis um retorno de Bernardo Carvalho com Os substitutos àquele livro que significou um marco na sua trajetória como ficcionista. O périplo ora aventuresco, ora iniciático que conduz as duas figuras principais desse romance ao coração da Amazônia e a conturbada relação entre pai e filho funcionam como âncoras para a narrativa de Nove noites . Mas aqui, o interesse central da narrativa recai especificamente no dilema de corte familiar; o que o narrador acompanha num arco temporal circunscrito entre a infância e a maturidade é certa investigação de um filho em torno de descobrir o pai. Esse investimento resulta, se contornado tal interesse, no desvelamento da própria figura, antes provocada por um impasse instalado no interior de um imbróglio amoroso vivido entre esse investigador e o namorado, trinta anos mais novo. Neste romance, Bernardo Carvalho tira proveito de certo princípio parabolar. Nunca o que se conta, a...

Não é uma boa ideia se tornar freira

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Por Alberto Olmos  Aprendemos muito de algo que não nos interessa com Los domingos . Parece que o filme de Alauda Ruiz de Azúa ganharia facilmente o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Hollywood gosta de filmes que retratam realidades secretas, minoritárias e um tanto folclóricas. Nada é tão assim para um estadunidense quanto um convento em Bilbao. Foi difícil para mim ir ver o filme porque era tarde demais para sair de casa e ver uma garota que quer ser freira. Gosto de ir ao cinema para ver cinema em abundância. Isso significa que me atraem os tons, as atmosferas, a estética, os desafios, os riscos e, em suma, a gramática expansiva do cinema. Fico muito incomodado com um filme que é só gente conversando. Acho que se eu tivesse assistido em casa, teria abandonado depois de uns vinte minutos. A história começa com pausa e hesitação, estabelecendo suas coordenadas de uma forma um tanto rudimentar. Não gosto de um corredor que surge do nada. É um corredor com papel de parede, e quem t...