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O azul de Giotto ou o nascimento da pintura moderna

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Por Almudena Blasco Vallés As cores são as ações da luz; as ações e as paixões. — Goethe, Tratado das cores Giotto. O beijo de Judas . No mundo da arte, ser um artista de vanguarda significa, para muitos críticos, apostar no futuro, embora eu me incline mais a considerar um artista de vanguarda alguém que faz da negação algo positivo. De qualquer forma, respeito a opinião da maioria que segue a Modern Painting de George Moore e aceito que as técnicas pós-impressionistas da década de 1890 são um conjunto de linhas dissonantes que forjaram vários “ismos”, do cubismo ao expressionismo. E acrescentaria também que não podemos ignorar os debates sobre a cor na pintura, pois nos guiam para uma mudança de atitude em relação ao valor e ao significado das obras de arte.   Isso me leva a considerar o que se dizia em meados do século XIX das fotografias em livros de arte: todas em preto-e-branco, naturalmente, embora algumas fossem da mais alta qualidade, como as que Carlo Naya, reunindo a c...

Breve consideração sobre a literatura intempestiva

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Por Henrique Ruy S. Santos Marques Rebelo. Foto: Décio Mendes, dezembro de 1964. Bem-aventurados os escritores que alcançam, única e exclusivamente pelo valor de sua pena, o merecido reconhecimento e colhem em vida os louros que tão dignamente recompensam seus dons. Afinal, parece ser este o paraíso da meritocracia literária que uma pessoa afeiçoada às letras deve querer cultivar: escritores e escritoras com liberdade e condições para exercitar seu ofício e um público igualmente livre e bem-condicionado para julgar as obras.   Acontece que falar em “valor” de uma obra, pelo menos se se quiser falar a sério sobre o valor de uma obra, é tarefa que sempre implica um bocado de hesitações e reticências. No caldeirão da crítica artística, ou mesmo da simples prática opinativa sobre determinado autor, livro, filme etc., entram ingredientes contextuais que vão desde o lugar e o tempo da dita obra até a forma como se insere no escopo de uma determinada tradição ou, o que pode ser ainda mais...

Boletim Letras 360º #642

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Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você pode garantir um desconto e ainda ajuda a manter o Letras  sem pagar nada mais por isso. Verenilde Pereira. Foto: Gabriela Biló. LANÇAMENTOS História do (mau) encontro entre a Igreja Católica e populações indígenas amazônicas. Maria Assunção e Rosa Maria, meninas indígenas educadas numa missão religiosa, são levadas por missionárias para trabalhar na casa de famílias ricas de Manaus, e de lá precisam traçar seus caminhos para a liberdade . Como os povos indígenas poderiam imaginar que aquele punhado de homens que aqui desembarcaram, em 1500, seria capaz de acabar com o mundo que conheciam até entãoo Plantas, animais, rio, terra, serras e gentes, tudo quanto havia neste lugar que viria a se chamar Brasil ou cedeu ante o domínio colonial ou foi exterminado. Era o impensável. Um rio sem fim  conta essa história precisamente sob a inédita perspectiva do impensável. A prosa de Verenilde Pereira é robus...

Escritos póstumos

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Por Juliano Pedro Siqueira Carl Spitzweg. O poeta pobre , 1839. Parece existir certo augúrio contra as mentes geniais e aqueles que denotam grandes habilidades culturais, criaturas que se destacaram notavelmente, deixando suas contribuições no tempo em que existiram. O esforço despendido por um homem para chegar ao cume da montanha pode significar somente o prelúdio da sua inevitável queda. Assim costuma ser a relação do artista com a arte. Após terminada a obra, ao invés do esperado acolhimento do público, logo lhe sobrevém terríveis frustrações. O mundo costuma conspirar contra os espíritos excepcionais, que mesmo depois de sangrarem até a última gota para legarem a humanidade seus trunfos, são condenados ao ostracismo, senão, à maldição. Quantos talentos foram sentenciados à morte mesmo antes de descerem à sepultura? Muitos foram os prodígios que saborearam o fel da rejeição, sendo esmagados por não se enquadrarem em determinados padrões morais ou movimentos intelectuais. O crivo so...

Intermezzo, de Sally Rooney

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Por Gabriella Kelmer Sally Rooney. Foto: Jonny Davies   Desde o lançamento de Conversas entre amigo s, publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 2017 (a versão irlandesa é do mesmo ano), Sally Rooney foi alçada a uma esfera de notoriedade global a que poucos autores terão acesso ao longo de suas carreiras. Todas as suas obras, desde então, entraram em incontáveis listas de best-sellers; alguns de seus romances ganharam adaptações reconhecidas para outras mídias.   É possível que seja esse o caminho trilhado por Intermezzo , de 2024, romance que renova algumas das preferências temáticas da autora, como é o caso do adoecimento mental, da vida amorosa atravessada por arranjos atípicos ou disfuncionais, da solidão do sujeito contemporâneo. Sendo esse o caso, muito como nas obras anteriores, a abertura do mercado ― tanto o literário como o cinematográfico ― se justifica em parte pelo apelo das temáticas amorosa e sexual e, desconfio, também pelo fato de ser a escri...