Postagens

Selma Lagerlöf, a ficção como uma forma de espiritualidade

Imagem
Por Elena Enríquez Fuentes Selma Lagerlöff em cena de documentário dirigido por Gardar Sahlberg. Quem nunca se deparou com uma situação sem saída? A garganta fica obstruída, o estômago grita, os olhos lacrimejam, as mãos se fecham em punhos, a vulnerabilidade é dor corporal. Selma Lagerlöf diz, através da voz de uma de suas personagens: “O ser humano é mais forte do que acredita e mais frágil do que imagina.” À medida que mergulhamos na biografia e na obra dessa escritora, percebemos profundas conexões entre ficção, fantasia e experiência de vida.   Lagerlöf nos lança um feitiço e, por meio de sua magia, convida-nos à transformação. Todos nós sabemos sobre perdas, mas as mulheres, os homens, as crianças e os animais na sua obra usam o sofrimento como uma maneira de expandir os limites corporais, ampliarem a consciência, tornarem-se mais sensíveis, perceberem mais e melhor estar abertos à compreensão.   Talvez as maiores paixões da escritora sueca fossem escrever e sua te...

Exposição Quasi-Corpos

Imagem
Por Eduardo Galeno Lygia Clark. Máscara abismo, 1967. Portal LC (Reprodução) Gullar referenciou o movimento contemporâneo nos rastos da conceituação de quasi-corpo . A pergunta é: o que vem a ser?   Fenomenologicamente, isso se situa na representação da representação, naquilo que é formado no seio da sua aparição concreta como fuga. A obra aparece, no mínimo, “despedaçada”. O hiato entre arte e vida fica cada vez menor e daí parte para ser hierarquizado intencionalmente no solo da vertigem obscura, alinhado de modo negativo um ao lado do outro.   Pensemos no brilhante ensaio de Rosalind Krauss, “A escultura no campo ampliado” (1979), e ressaltemos o ponto central do que seria um quasi-corpo na primeira frase do texto: “o único sinal que indica a presença da obra é uma suave colina, uma inchação na terra em direção ao centro do terreno”. A sinalização de Perimeters/ Pavillions/ Decoys (Mary Miss, 1978) vaza blocos de similitude, mas eles são serializados na amplidão semióti...

Cinco poemas de Robert Penn Warren

Imagem
Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões) Robert Penn Warren. Foto: Joel Katz     (VII) CONTA-ME UMA HISTÓRIA ( Audubon: A Vision , 1969)   [A] Há muito, no Kentucky, eu, um rapaz Junto duma estrada de terra batida, ouvi, no crepúsculo, O grito dos gansos selvagens rumando ao norte.   Não os conseguia ver, não havia lua no céu E as estrelas eram escassas. Escutava-os.   Não sabia o que se estava a passar dentro do meu coração.   Era a época antes do sabugueiro florir, E eles voavam para norte.   O som passava por mim rumo ao norte.   [B] Conta-me uma história.   Neste século, e momento, de loucura, Conta-me uma história.   Que seja uma narrativa de grandes distâncias, de luz estelar.   O nome da história será Tempo, Mas não deverás pronunciar o seu nome.   Conta-me uma história de encantar.     UM FALCÃO À TARDINHA ( Can I See Arcturus From Where I Stand? , 1975)   De plano em plano de luz, as asas mergulhand...

Boletim Letras 360º #632

Imagem
DO EDITOR   Olá, leitores! Ainda estamos à procura de apoiadores para o Letras que queiram concorrer a um exemplar de Morte em pleno verão , de Yukio Mishima. Aproveite o lembrete e se inscreva para o sorteio. Saiba todos os detalhes de como participar, por aqui . Um excelente final de semana para vocês! Elfriede Jelinek. Foto: Sophie Bassouls LANÇAMENTOS Primeira seleção de peças da autora austríaca, cuja obra, apesar do prêmio Nobel de Literatura de 2004, continua pouquíssimo conhecida .   Elfriede Jelinek: do texto impotente ao teatro impossível  traz para o leitor brasileiro um recorte representativo do seu estilo. As seis peças até agora inéditas por aqui foram selecionadas, traduzidas e apresentadas por Artur Sartori Kon. São elas: “Doença ou mulheres modernas”, “Faust(a) (não tá): drama secundário ao Fausto Zero”, “País.nas.nuvens”, “As implicantes”, “Rechnitz (O Anjo Exterminador)” e “Sem Luz”. E estão divididas em três partes (Problema de gênero, Nós do discurso ...

Da tela ao texto: Pieter Bruegel e Louis-Ferdinand Céline

Imagem
Por Amanda Fievet Marques Pieter Bruegel. O triunfo da morte  (detalhe).   O mundo às avessas. Teatro de um mundo apocalíptico, caótico, arruinado pela guerra e dominado pela loucura e pela morte. Uma multidão de vivos se embrenha num caixão, enquanto a morte — um esqueleto com uma foice —, comanda sobre um cavalo esquálido a transformação dos vivos num exército de mortos, esqueletos com lanças por detrás de esquifes.   Essas linhas traçam uma breve descrição de uma cena do quadro O triunfo da morte (1562/1563) , do pintor holandês do século XVI, Pieter Bruegel, mas poderiam muito bem evocar a obra literária do escritor francês do século XX, Louis-Ferdinand Céline. Resguardadas as diferenças entre os meios de expressão e os contextos históricos, há também nos romances de Céline a onipresença da guerra, cenários infernais, assim como o domínio da morte e da loucura.   Céline declara, inclusive, numa carta a Henri Mahé do dia 10 de janeiro de 1933, sua admiração pel...

Visitações à Defesa de Palamedes, de Górgias

Imagem
Por Afonso Junior Antonio Zanchi. Palamedes e Odisseu . Museu Nacional de Arte da Bielorrússia   Em Análise dos argumentos jurídicos presentes na Defesa de Palamedes de Górgias , Thatiane Santos Meneses se debruça sobre o texto gorgiano que recorre a um episódio da mitologia: Palamedes discípulo de Quíron, descendente de Dânao, rei do Egito, foi enviado à Ítaca para buscar Odisseu para a guerra; usando de astúcia, desmascarou seu estratagema (a loucura fingida); segundo versão posteriormente fixada por Gaius Hyginus, autor latino, Odisseu mais tarde forjou uma carta de Príamo, rei dos troianos a Palamedes e conseguiu condená-lo à morte.   O livro, que tem origem em dissertação defendida na Universidade Federal de Sergipe, começa por mergulhar no mundo dos sofistas, no qual Protágoras colocará em jogo o conceito de verdadeiro, já que cada um o julgaria a partir de como chegam-lhe os fatos e as informações, e Górgias defenderia que entre o lógos e as coisas reais há um abismo...