Cinco ideias fixas sobre crítica literária
Por Jorge Téllez
Ilustração: Hanna Barczyk |
O crítico e o escritor são espécies
diferentes
Com frequência, a escrita e a
crítica aparecem no imaginário literário como práticas antagônicas. Talvez seja
verdade que o escritor e o crítico, embora compartilhem do mesmo instrumento e
objeto de trabalho, utilizem a linguagem de maneira diferente. Mas, a maioria
das vezes a diferença demonstra duas necessidades entre as aparências básicas
no mundo cultural: a autoafirmação e o rebaixamento do outro. Assim, que se
qualifique um crítico como “escritor frustrado” e que se afirme que os
escritores sabem pouco sobre literatura — para citar apenas dois dos lugares comuns
a respeito — diz pouco do exercício da escrita ou da crítica e muito da vontade
do interesse de polemizar da pessoa que reproduz essas insensatezes
frequentemente.
Escrever resenhas me converte em
crítico literário
Antes de comentar sobre isso, a
pergunta é: por que alguém quereria se converter em crítico literário? Ou melhor,
qual a necessidade de se chamar e ser considerado sob essa categoria? A resposta
simples: autoafirmação e ego. A resposta complexa: autoafirmação e ego.
Atualmente, o mundo está cheio de gente que publica resenhas: algumas são boas;
outras nem tanto. Assim é tudo na vida.
A importância que temos depositado
no gênero — se é que depositamos alguma — às vezes impede que vejamos os
espaços existentes entre a resenha e outros discursos como o jornalismo
cultural ou a publicidade. Se nas suas resenhas você se dedica a exaltar o
gênio do autor ou a depreciar a chatice que é o livro, então é de publicidade
que falamos, com bastante mal caratismo, diga-se. Se no seu texto dialogam opiniões
de outros escritores a quem você consultou para saber seu parecer sobre
determinada obra, claro está, que você é jornalista. Se ao invés de resenha você
publica o que leu na apresentação do livro: isso não é crítica literária, é preguiça.
Chamar o escritor por seu nome íntimo e contar como se conheceram também não o
converte em crítico, mas sim em bom amigo.
Há outros exemplos, mas para
voltar à ideia fixa: escrever resenhas me converte em crítico literário? Nem sempre.
É difícil acreditar que as pessoas deixarão de ler um livro por causa da sua opinião.
A maior parte dos leitores dispõe dos preconceitos suficientes para decidir,
sem intermediários, o que ler ou não.
Ler escritores difíceis me faz
melhor leitor e, portanto, melhor crítico
Há pessoas que encontram um
particular prazer na pretensão de que são melhores leitores que as demais.
Frente a isso muito pouco pode ser feito: se alguém considera que ler Proust é
melhor que ler Stephen King, que ótimo! Se não, também. Felizmente, a
quantidade de páginas de ambos os escritores é suficiente para que os leitores
de cada um nunca tenham tempo para fazer outra coisa. Se os livros acabam, para
isso estão Musil e Lovecraft. Se acabam, para isso estão os russos e Margaret
Atwood. Quando se trata de conceber a leitura como uma série de escolhas que só
permitem ler isso e não o outro, o importante é que cada um leia
o que lê e lhe interessa.
Sobre se isso faz você melhor ou
pior crítico, por favor ler a ideia fixa anterior.
É necessário formação acadêmica
para ser crítico literário
Não. Da mesma maneira, a formação acadêmica
tampouco impede alguém se converter em escritor. (Aqui não seria errado
esclarecer que, falando com alguma propriedade, ninguém se converte em nada.)
Acontece que, como estamos acostumados a ver o mundo de forma maniqueísta, o
mais sensível é conservar os estereótipos herdados ao invés de inventar os seus
próprios.
A crítica literária na internet
se banalizou
Sim, de fato se banalizou. O mundo
é um amontoado de trivialidades do qual já existe saída. Agora, quando alguém
diz isso sem a consciência de que desde 1580 existe queixas sobre o trivial que
é a crítica literária, o que se diz não é indignação, mas falta de imaginação. Se
a queixa se refere unicamente à internet, basta procurar as melhores páginas
para ler. Se foram esgotadas todas as possibilidades, coisa difícil de
acreditar, ainda nos restam os livros.
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