A geografia do poema
Por Tiago D.
Oliveira
na asa azul
da saudade
de cá e de lá
calí boreaz,
Outono azul a sul.
A geografia do poema é uma cama, acolhe o
leitor e também embala as chances do verso, mas também pode ser o eco de seu
reverso. A geografia de um poema é o próprio poeta. O livro grafa a viagem,
principalmente a recolha imaterial que fica quando a última palavra é escrita,
lida – mudei de casa, de estação / mas de saudade não (“dedicatória”, p.13) – e
já no primeiro poema o que se espraia acolhe, direciona.
Outono
azul a sul, livro de estreia de calí boreaz na literatura, editado no Brasil e
em Portugal pela Editora Urutau, ilustrado por dois artistas plásticos, o
brasileiro Edgar Duvivier e o português António Martins-Ferreira, traz uma geografia híbrida carregada de uma Lisboa
e um Rio de Janeiro que transportam, na leitura dos poemas, a imaginação e o
sentimento para um deslocamento elevado pela constatação da beleza.
Dividido em três partes: “poemas
caindo”, “intervalo a norte” e “o relento de dentro”, somados a um prólogo e epílogo
poéticos e também a um posfácio, por João Almino, que apresenta enquanto tece
suas considerações analíticas. A orelha é da escritora portuguesa Ana Teresa
Pereira e dos escritores brasileiros Paula Fábrio e Francisco Azevedo. O
projeto se desenha com certa preocupação e planejamento, a escrita não
acontece somente pelo encanto dos versos e seu mergulho, há uma estrutura séria
que norteia o livro.
A leitura dos poemas traz imagens
saudosas que transportam, enquanto os olhos vacilam entre um verso e outro,
para um lugar vivido, rememorado, mas ao mesmo tempo servem como um trampolim
para uma busca que talvez localize o sentido da escrita – o que seria de mim /
sem a taquicardia sul-americana (“o som cinza”, p.19) –, o deslocamento como
ferramenta de descoberta e amadurecimento para a produção literária cabe aqui
como uma luneta para a lua, as descobertas, sob os versos, acontecem e são
constatadas dentro de uma poética do palmilhar.
A língua é também parte da vivência da
poeta que brinca com a cultura das palavras e assim aponta para impressões que
ao mesmo tempo em que aproxima-nos de Portugal, afasta-nos em uma crescente e
independente bolha de sabão ao céu, refeita a todo momento – não aterrisso em
brasileiro, não aterro em português. vou-voo / nos pólens da língua-poesia, que
me solta (“aniversário”, p.22). – e que a poesia serve a todo momento como palco
para exposição, experimentação e liberdade.
A geografia insiste e transborda no
livro de calí, o que faz com que os poemas sejam como passeios por um Rio de
Janeiro reinventado por um olhar português, metáfora bem mais amistosa que
abraça-nos pelos encantos, mas também pela constante sensação de que uma cidade
apenas não é o suficiente para limitar o afeto, a chance de se reinventar
dentro desse olhar – estou aqui. não sou
de nenhum lugar / sou de todos os seres que amei e amo e amarei (“o violão
intocado”, p.33) – que a busca continua e
que a geografia é apenas, dentro de uma polarização, achados ou não, uma
reafirmação de que há o caminho ainda para seguir.
Os versos de calí boreaz permeiam entre
a saudade e o ar da praia que entra pela janela. As imagens que são construídas
poderiam ser minha ou sua muito facilmente, uma das constatações de que a boa
literatura acontece enquanto nos afeiçoamos aos poemas que são somados nas
páginas do livro. Outono azul a sul é um livro que vai ficar.
Comentários