Nasce uma estrela, de Bradley Cooper
Por Pedro Fernandes
Este é um
filme sobre um duplo nascer. Ou um triplo – se considerarmos a gênese do amor
entre Ally e Jackson, a história que se passa por baixo da e por entre a
história do aparecimento semiespontâneo de um fenômeno musical. E como este terceiro
nascimento é consequência do elemento motor da narrativa, fiquemos melhor acomodados
ante os dois primeiros, que inclui, ao que parece, o sentido primordial do
título desta obra, título, aliás que parece comungar, curiosamente, com um hit
que terá contribuído para outro nascimento, este real, o da estrela pop, Lady
Gaga, quem figura a personagem principal do filme de Bradley Cooper: Born this way – A star is born.
Esta é a
quarta vez que a história de Nasce uma
estrela, cujo roteiro original data de
1937, escrito por William A. Wellman e Robert Carson, é levada ao cinema. Neste ano, o drama foi encenado
por Janet Gaynor e Fredric March; quase duas décadas depois, em 1954, a
história virou um musical com Judy Garland e James Mason. A última versão,
antes desta em comentário, foi de 1976, quando o agora conhecido casal Ally e
Jackson foi vivido por Barbara Streisand e Kris Kristofferson. Esta foi considerada
pela crítica cinematográfica como a pior das três produções; e a considerar os
louvores da versão de Cooper, não deixará de ocupar este pódio, embora se diga
que a de agora guarde maiores semelhanças com aquela.
A narrativa
do filme em que Bradley Cooper estreia na direção que seria de Clint Eastwood reconta
em duas linhas a ascensão e queda de uma estrela da música. Enquanto Ally, uma
jovem que se dedica a compor nas horas vagas, se apresenta na noite, mas vive
mesmo da profissão insignificante num restaurante, é a curva ascendente, na contramão,
Jackson, o grande músico e cantor que lhe dá a mão, vê-se um cadente. É esta
posição de queda o melhor da história porque ela se constitui de alguma maneira
em possibilidade do destino de qualquer estrela, inclusive de Ally, sobre quem
nada sabemos do seu futuro pós-estrelato. Depois disso, também é o fio dramático
que atribui equilíbrio ao que poderia ser uma monótona historieta de amor com incursões
pela música.
Não apenas a
narrativa guarda um equilíbrio harmonioso; toda a produção capta esta unidade,
desde a escala de cores escolhida pela fotografia, articulando a atmosfera das situações
às expressões de cenário. Sobre eles, é significativamente perceptível ao menos
quatro gradações: os tons preto e branco da vida repetitiva e nua de sentido de
Ally; os tons quentes aquando da aparição do amor entre o par romântico Ally-Jackson;
os vibráteis para as situações de ordem e ascese de Ally; os soturnos e pesados
para os momentos do drama, que encontram diálogo, de alguma maneira, com os da
primeira parte da narrativa, embora não deixemos de perceber que repousa neste
desfecho o azulado de um futuro aberto à
esperança e ao segundo nascimento, ou melhor renascimento – o do próprio Jackson
pela vida de Ally.
Este novo nascer
é certamente o ponto alto do filme porque através dele se renova a ideia segundo
a qual a arte, de alguma maneira, é uma força motriz capaz não apenas de constituir
sentido à mera existência mas a única força possível de subverter o peso do
apagamento da vida. A lição pode ser óbvia demais para uns ou romântica demais
para outros, mas não deixará de ser, ainda mais tempos que teimam em zelar pelo
desprezo do artístico para substituí-lo pela mediocridade das produções de mero
consumo, uma das mais belas e necessárias verdades à humanidade. Fora disso,
nem mesmo aquilo que dizem ser a força mais preciosa, o amor, perece. Porque antes
de tudo, só pela arte compreendemos – para o bem ou para o mal – algum sentido por
existir. E esta é, definitivamente, a lição apresentada em Nasce uma estrela. Só isso é motivo para justificar seu valor positivo.
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