Os melhores de 2017: cinema



– Lady Macbeth, de William Oldroyd.
O livro do russo Nikolai Leskov Lady Macbeth do Distrito de Mtsensk já inspirou diversos trabalhos grandiosos, como a ópera de mesmo título do compositor Dmitri Shostakóvitch. No cinema, antes da adaptação de William Oldroyd, o cineasta polonês Andrzej Wajda já havia realizado na década de sessenta uma leitura intitulada Lady Macbeth siberiana. A narrativa fílmica explora ao limite toda uma sorte de elementos que deflagram das pequenas às grandes violências impostas à mulher: Katherine se casa por conveniência – marca comum de seu tempo – com Alexander. Seu envolvimento com o empregado Sebastian é um dos pontos da trama favoráveis à montanha-russa de sentimentos que embalam a narrativa. E partir daqui, engana-se quem acredita que ela é apenas mais uma mulher passiva aos desmandos do macho.

– Elle, de Paul Verhoeven.
Este filme lida com emoções difíceis e busca expor o lado oposto daquilo que socialmente preferimos negar a encarar de frente. Apesar de Verhoeven negar as influências psicanalíticas na composição da narrativa, o espectador dificilmente conseguirá desfazer esse vínculo. Primeiro, pela estreita aproximação e recusa entre pai e filha; segundo, por oferecer uma personagem presa na realização de se ver um dia estuprada, dominante do pensamento selvagem que calhou em resquício no imaginário inconsciente da mulher. Leia mais aqui.

– Moonlight, de Barry Jenkins.
Este filme reúne as diversas linhas de segregação, preconceitos, e a possibilidade de subversão de tudo pelo amor não convencional; sua narrativa bebe no modelo do romance de formação, ao acompanhar da infância à idade adulta o desenvolvimento de um homem negro, da periferia e gay. Num tempo cinza, do levante de muros, do fascismo e das formas mais danosas de opressão, ondas que se alastram como um rastilho de pólvora num quase-retorno ao esgoto da história, este filme retém uma importância grandiosa por dizer mais sobre a necessidade de se ampliar nosso alerta pela amplidão das lutas em favor das liberdades individuais. Leia mais aqui.

– Mãe!, de Darren Aronofsky
Repleto de simbologias bíblicas que retomam do Gênesis ao Apocalipse, este filme fala, entre tantos outros temas, sobre o estágio de opressão que foi atribuído à mulher por uma cultura cujo centro de todas as coisas aparece representada pela figura masculina – que pode muito bem ser lida como esse Deus, machista e implacável, tirano e interessado apenas no sem bem-estar e que na narrativa de Aronofsky é representado por um poeta obcecado pela fama. Sob todos os dogmatismos à mulher foi dado o papel do silenciamento e da repressão, tal como bem interpreta Jennifer Lawrence:  a mulher vive para servir o marido e para realizar todos os seus caprichos e mesmo quando seu grito se faz ouvir é violentamente abafa. Este é talvez um dos filmes mais provocativos de 2017. Leia mais aqui.

– Na vertical, de Alain Guiraudie.
Uma maneira mais acertada de compreender esse filme é considerar essa narrativa uma metarrativa, um sonho da própria personagem central, Leo, na obsessão de escrever o roteiro de um filme que tanto lhe cobram – e o espectador lembra-se do traço nonsense que a certa altura se infiltra na narrativa e ganha espessura até o seu desfecho, a perseguição do financiador do enredo num pântano, a prisão de Leo entre dormir e acordar para concluir o tal roteiro e as estranhas digressões num meio de uma floresta como se estivesse numa espécie de clínica de tratamento psiquiátrico natural. Guiraudie não se intimida com o devaneio e com isso provoca a própria compreensão mais ou menos sedimentada de realidade tal qual a construímos: a que sublime, aterra, esconde o animal que está em nós. Leia mais aqui.

– Me chame pelo seu nome, de Luca Guadagnino.
Este é o filme mais bonito desta lista. A fotografia e a ampliação dos limites da narrativa formam um conjunto de harmonia rara no cinema. A produção de Guadagnino é uma leitura de um romance de mesmo título do egípcio André Aciman: narra os acontecimentos de uma temporada de férias na vida do adolescente Elio, na casa de campo da família em 1983 – um ambiente multicultural. Nesta estadia Elio e Oliver se aproximam e vivem uma intensa experiência amorosa. O romance está longe de ser a mera narrativa de um envolvimento homoerótico. Imerso num ambiente cujos habitantes respiram o ar da cultura clássica, o amor entre os dois assimila-se ao amor grego, distanciado de quaisquer rotulações e determinações.

– Frantz, de François Ozon.
A beleza desse filme não está na impecável fotografia preto e branco. Não está na narrativa seguramente bem construída e marcada por um controle extremo do caudal de emoções tão variado quanto pesado. Nem no drama dos sentimentos que carregam suas personagens. Está na terrível atualidade dos sentimentos aí evocados. Terrível porque sendo um filme que trata das cicatrizes da Primeira Guerra Mundial era de esperarmos que boa parte delas já tivesse sido superada de um todo tantos anos depois. Mas, tantos anos depois e ainda passado outra guerra de maior proporção, a intolerância entre povos, raças e culturas – para citar o principal dos sentimentos presentes nesta obra – parece ainda ser a mesma; ou ainda pior, se consideramos que mesmo o passado de proporções catastróficas não parece ter servido de lição. Leia mais aqui.

– Sete minutos depois da meia noite, de J. A. Bayona.
Aqui é preciso sublinhar a riqueza de como essa narrativa é construída. Cada história das contadas para Conor – sempre as mesmas, mas com personagens e situações diferentes – o aproxima da necessidade de convivência com a perda e depois de cada uma delas alcançamos um traço sobre o drama real vivido pela personagem. Isto é, a fantasia cada vez mais torna-se, à medida que explica a realidade, mais apagada pela sobreposição da realidade, muito embora não seja de sobreposições a preocupação da narrativa e sim da intersecção entre os diversos planos que compõe tais dimensões e sobre a impossibilidade de separá-los. Há uma profunda simbiose entre um universo e o outro e a realidade só é possível se marcada por lufadas da fantasia; sem isso, o sujeito estaria condenado à zona mais escura da existência – rude e bárbara tal como a da avó e do pai Conor. Leia mais aqui.

– A viagem de Fanny, de Lola Doillon.
Toda a narrativa deste filme está situada numa linha de dupla dimensão: a do drama que não desapega o espectador em grande parte do desenvolvimento da trama e da aventura, afinal, a compreensão desses pequenos, por mais adiantada que sejam – e eles demonstram muito bem tal poder ao conseguir fazer cumprir aquilo que os mais velhos seus protetores impunham fazer no intuito de garantir a sobrevivência do grupo – o tom da fuga entre a França e a Suíça, onde poderiam escapar da morte pelos soldados nazistas assume-se com uma grande brincadeira. Leia mais aqui.

– Eu, Daniel Blake, de Ken Loach.
Este filme foi o ganhador da Palma de Ouro em 2016. Ken Loach constrói uma crítica acerca dos tais modelos civilizatórios de nosso tempo. Daniel, a personagem que dá título à narrativa fílmica, sofre um ataque cardíaco e se vê impossibilitado de continuar trabalhando; a saída é buscar ajuda do Estado para pacientes que estão nas mesmas condições. Se tudo, de fato, funcionasse, dramas como este não existiriam. Mas, ao tentar buscar uma saída, o que a personagem encontra é apenas um extenso muro de burocracia enquanto cada vez mais definha e se vê marcado por outra condição: a de não conseguir emprego devido a idade avançada. Este é um drama que diz muito do quanto o aparelho estatal foi forjado para oprimir e reduzir o homem à condição de refugo.

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