Elizabeth Bishop e Lota Macedo Soares
Por Telma Amaral Gonçalves
Elizabeth Bishop, grande poetisa norte-americana, viveu durante quinze anos
uma intensa história de amor com a brasileira Lota Macedo. Foi um período
marcado por muita alegria, mas também permeado por inúmeras dificuldades que
acabaram por separar o casal. Lota era oriunda de uma família aristocrática que
viera para o Brasil no tempo da colonização.
Nascida em Paris, falava
fluentemente francês e português e dominava menos o inglês. No âmbito familiar
era vista como intelectual, anticonvencional e homossexual. Apesar de não ter
cursado uma universidade, tinha conhecimentos profundos em vários campos, como
arte, arquitetura e urbanismo e era considerada pelos amigos como uma mulher
inteligente, espirituosa, sofisticada, generosa e determinada.
Desgastada
emocionalmente com a separação dos pais, resolveu morar sozinha aos vinte e
cinco anos, o que já significou um pequeno escândalo na alta sociedade da
época. Retornando de um período em Nova York, projetou e construiu com a ajuda
de um arquiteto sua casa no bairro de Samambaia, em Petrópolis, construção que
se tornou um marco da arquitetura brasileira moderna.
Elizabeth ficou órfã de
pai quando tinha oito meses e a mãe, que entrou em surto psicótico a partir disso,
passou o resto da vida em clínicas psiquiátricas, não tendo tido convivência
com a filha que foi criada inicialmente com os avós maternos, em seguida com os
avós paternos e depois por uma tia materna. Terminou seus estudos e iniciou sua
carreira como poetisa e escritora. Tímida e insegura, sua trajetória foi
marcada por estados depressivos, momentos nos quais ela recorria ao álcool,
chegando a se internar várias vezes para tratamento.
A escritora chegou ao
Brasil em novembro de 1951, passando inclusive por Belém e tendo ido até a
cidade da Vigia, como relata em uma de suas crônicas (publicada em Esforços do afeto). Ela pretendia
passar aproximadamente quinze dias, mas conheceu Lota e com ela permaneceu no
país por quinze anos. Pode-se dizer que o motivo inicial da permanência de
Bishop no Brasil foi um prosaico caju, no qual ela deu duas mordidas, o que lhe
provocou uma crise alérgica, cujo inchaço deformou suas mãos e rosto (ver texto disponível no final desta post).
Hospedada
na cobertura de Lota na praia de Copacabana, a atenção dispensada pelos
brasileiros a encantou; mais tarde, quando foi para a casa de Samambaia ainda
em construção, Lota declarou-se apaixonada por ela e pediu-lhe que permanecesse
ali, dizendo que tomaria conta dela e construiria um estúdio perto da casa no
qual ela poderia se dedicar à sua 2047 poesia, o que de fato aconteceu.
Elizabeth que se definia como “a pessoa mais solitária que jamais viveu”
registrou em uma carta: “foi a primeira vez que alguém me ofereceu um lar,
tanta coisa” e considerou que estava “extremamente feliz pela primeira vez na
vida”. Ao lado de Lota, ela viveu um dos períodos mais harmoniosos e produtivos
de sua vida – escreveu parte substancial de sua obra nessa época – mas também
um dos mais turbulentos.
Em 1960, Carlos Lacerda, amigo de Lota, tornou-se
governador da Guanabara e a convidou para realizar uma obra pública, o Aterro
do Flamengo, o que fez com que as duas tivessem que se mudar para o apartamento
no Rio de Janeiro. Lota dedicou-se de corpo e alma a essa obra que se
transformou num processo turbulento, agravado pelo fato de estar sendo
encabeçado por uma mulher sem diploma universitário, o que gerou inúmeros
conflitos com outros profissionais que participavam do projeto.
A situação foi
se tornando cada vez mais insustentável e o relacionamento das duas começou a sofrer
um desgaste inevitável devido aos cinco anos de obras no Parque, com Lota
trabalhando de doze a catorze horas por dia. Relegada, a poetisa voltara ao
álcool e não mais produzia, acabando por aceitar um convite para dar um curso
em Seatlle, nos EUA.
Aliviada por afastar-se das turbulências políticas do
Brasil, Elizabeth desejava que Lota pudesse estar com ela, mas Lota estava
completamente envolvida com o projeto que estava desenvolvendo e não se
prontificava a viajar. Apesar disso, Elizabeth pretendia voltar para o Brasil e
viver com Lota “para todo o sempre”.
Com a derrota do candidato de Carlos
Lacerda em 1965, Lota foi retirada do comando dos trabalhos, o que resultou em
um colapso nervoso e ela teve que ser hospitalizada. O médico de Lota pediu que
Elizabeth se mantivesse afastada a fim de que esta saísse da crise e ela que já
havia retornado ao Brasil, viaja para Nova York.
Em setembro de 1967, Lota
enviou um telegrama à Elizabeth Bishop dizendo que estava indo para Nova York
encontrá-la. Elizabeth a recebeu no aeroporto e a levou para o apartamento que
estava ocupando. Lota não estava bem e mostrava-se muito deprimida e
fragilizada, física e mentalmente.
Na mesma noite da chegada, Lota tomou um
vidro inteiro de antidepressivos. Depois de uma semana em coma, seu coração
parou. Só então Bishop comunicou a família de Lota no Brasil, o que lhe rendeu
inúmeros constrangimentos e acusações de responsabilidade pela morte de sua
parceira. Depois de quinze anos junto à Lota, Elizabeth se viu sozinha novamente
teve que dar curso à sua vida.
Ligações a esta post:
* Este texto foi publicado inicialmente nos anais do XVII Encontro Nacional da Rede Feminista e Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher e Relações de Gênero e reproduzido com breves ajustes neste blog com aval da autora.
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