O estranho fascismo de um poeta vanguardista

Por Jorge Frondebider



Ezra Pound é talvez o mais ambicioso e influente poeta do século XX. Não é uma afirmativa vazia já que se baseia em fortes evidências. No que se refere à poesia, poetas de praticamente todo o mundo e, em ocasiões, com posições estéticas diametralmente opostas às de Pound – como Juan Ramón Jiménez, Borges, Montale ou Yves Di Manno – inclusive políticas – Pasolini, Allen Ginsberg, Ernesto Cardenal, Juan Gelman – não só admitiram sua enorme importância mas em várias ocasiões revelaram publicamente sua influência.

Mas há muito mais. Se durante sua vida seu discurso havia excedido amplamente o mero âmbito da poesia em língua inglesa, agora Pound é muito mais que um poeta ou um grande teórico da literatura: se converteu em algo como o núcleo a partir do qual irradia uma série de ramificações que abarca outros campos da atividade humana: as belas artes, a música, a política, a economia, a estética e, capítulo não menor, a ética.

E neste tempo que se passou depois da sua morte, ficou comprovado em mais de uma ocasião que seu discurso não para de crescer. A pergunta em todo caso, é por que, mas suponho que não haja uma só resposta se não muitas, tantas quanto permitam enunciados programáticos tão claros e abertos como os conteúdos em frases deste tipo: “Há que tornar novo o velho”.

Aos 15 anos, ainda em seu Idaho natal, havia decidido saber sobre poesia mais que nenhuma outra pessoa no mundo. Não sei em que medida alcançou esse objetivo, mas basta saber que traduziu Confúcio e compilou imemoráveis versões de Li Bai e outros poetas chineses que junto com o teatro Nô japonês ajudou a introduzir no Ocidente.

Também atualizou a poesia de Propércio, os poemas anônimos anglo-saxões, a obra do trovador provençal Arnaut Daniel, traduziu Guido Cavalcanti e outros mestres do dolce stil nuovo, que muito antes de outros contemporâneos ingleses soube do valor da obra de Théophile Guatier, Jules Laforgue, Gustave Flaubert, Rémy de Gourmont, dos irmãos Goncourt. Além disso, foi secretário de W. B. Yeats, revisor de Hemingway, divulgador de Robert Frost, de seu condiscípulo William Carlos Williams, de T. S. Eliot, James Joyce, Ford Madox Ford, e a lista poderia ser muito mais longa ainda.

Sua própria obra, que abarca muitas décadas – culmina com Os cantos –, talvez seja um dos maiores esforços da poesia sinfônica que conhecemos. Como Borges, Pound acreditou na realidade da literatura, assim como outros (e outras) acreditam nos políticos, banqueiros, partidários ou jogadores.

Há mais: Pound foi considerado um traidor de sua pátria. A traição do poeta consistiu em haver realizado uma série de transmissões radiofônicas que começaram entre abril e maio de 1941, prolongando-se até dezembro desse ano, quando aconteceu o ataque japonês a Pearl Harbour e os Estados Unidos entraram na guerra contra as potências do Eixo. Depois de alguns meses, foram retomadas e duraram até julho de 1943. Duas vezes por semana, Pound anunciava: “Esta é a voz da Europa. Fala Ezra Pound da Rádio Roma”. E em seguida discursava contra a usura, o Talmud, o Antigo Testamento, Franklin Roosevelt, Winston Churchill, os judeus, frequentemente personificados por uma série de políticos e banqueiros a quem odiava-os como a uma peste. Fazia num contexto em que pressupunha por parte do ouvinte uma série de conhecimentos – a filosofia de Confúcio, Paolo Uccello e a pintura moderna, os romances de “Gus” Flaubert, Henry James, James Joyce e Ferdinand Celine, a poesia do trovador medieval alemão Walter von der Vogelwiede, de T. S. Eliot etc. – dos quais este é quase totalmente seu devedor. E, de uma maneira bastante curiosa, defendia o fascismo.

Claudio Quarantotto comenta que “o fascismo de Pound tem origens e objetivos diversos, mas totalmente estranhos ao fascismo de Mussolini ou Gentile. Pound acredita ver no fascismo a realização, ou melhor, o princípio da realização de suas ideias político-econômicas inspiradas por economistas heterodoxos: o inglês Clifford Hugh Douglas e o alemão Silvio Gesel que, nos regimes fascistas e nazi, não haviam conseguido nenhum público, ideias que estão, sobretudo, ligadas a um filão da experiência moral-religiosa estadunidense, que vai de Henry Adams aos hippies, sem desmentir todos os movimentos messiânicos e utópicos do Novo Mundo. A condenação da ‘usurocracia’, as condenações lançadas contra bancos e banqueiros, a oposição ‘ouro-trabalho’ derivam, não da cultura oficial estadunidense, a que conduziu a sociedade de consumo e a conversão da arte em mercadoria, mas de uma cultura menor, paralela à oficial, já que subterrânea e não presente na superfície. Esta cultura que, por outro lado, a mesmo que Pound tenta individualizar e definir através de grupos políticos, escritores, moralistas e economistas, é de signo protestante, embora herética em relação ao protestantismo dominante. Não conduz ao capitalismo, segundo a célebre fórmula de Weber, mas se opõe a ele, ou, pelo menos, a certas ‘degenerações’ suas, é um movimento de nostalgia de um novo Éden, de edificar ou reedificar o futuro”.

Sem dúvida, o centro é que, como assinala Quarantotto, “nesta visão, a economia é expressão da política, mas a política é, ou melhor deve ser, expressão da moral. A usura, para esta linha cultural e para Pound, que adere a ela, não somente arruína os estados como corrompe os homens”. Talvez na origem de tudo isto esteja a extrema pobreza em que viveu Pound na Inglaterra da Primeira Guerra Mundial, na forma em que seus amigos artistas morreram no front francês, no lugar que a sociedade burguesa designou sua arte e os artistas (e que, talvez, não tenha mudado tanto desde aqueles anos), em sua vontade de não prosperar às expensas dos outros.

As almas belas tendem a equiparar as revoluções culturais com as políticas de esquerda. Ezra Pound, como muitos outros grandes vanguardistas de seu tempo, não foi um homem de esquerda e sem dúvida quis que o mundo, em muitos aspectos – em outros, não – fosse melhor. Seguimos tratando ver como o entendemos.

***

A seguir preparamos um catálogo com tradução de um texto do poeta William Carlos Williams sobre Ezra Pound quando estava preso no manicômio de Saint-Elizabeth.



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* Tradução livre para "El extraño fascismo de un poeta vanguardista" publicado no El clarín


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