A narração desarvorada
Por Benedito Nunes
A ficção de Clarice Lispector passou por três distintas
fases de recepção. A primeira começa com a publicação de seu livro de estreia,
o romance Perto do coração selvagem
(1943), então apenas conhecido entre críticos e escritores. Porém numa segunda
fase, a partir de 1959, o livro de contos Laços
de família conquistou o público universitário e despertou interesse pelos
outros romances da autora, O lustre e
A cidade sitiada, lançados entre 1946
e 1949 respectivamente, e A maçã no
escuro, de 1961
Creio que a morte da autora abriu uma terceira fase de recepção
à sua obra, condicionada, depois da impressão desconcertante que produzira A paixão segundo G.H., romance de 64, às
peculiaridades de dois livros, A hora da
estrela, que precedeu de meses o passamento de Clarice Lispector em
dezembro de 1977 e Um sopro de vida,
publicado postumamente. Por uma sorte de efeito retroativo, ambos permitem
desvendar certas articulações da obra inteira de que fazem parte, dentro de um
singular processo criador, centrado na experiência interior, na introspecção,
nos estudos da consciência individual, que principiara em Perto do coração selvagem.
Tendo seu título decalcado numa passagem de Retrato do artista quando jovem – “Ele
estava só. Estava abandonado, feliz, perto do selvagem coração da vida” – e afinando
com o “realismo psicológico chocante” de James Joyce, e, mais ainda, com a
sondagem introspectiva das novelas de Katherine Mansfield e de Virginia Woolf, Perto do coração selvagem aprofunda a
experiência interior de Joana, sua protagonista, em episódios sem enredo na
primeira parte da obra, em que se fundem lembranças, imagens e percepções momentâneas
da personagem. Esse romance, de acentuada linha temporal, alterna, em sua parte
inicial sobretudo, o passado com o presente, o que imprime à narrativa um ritmo
entrecortado. É uma linha temporal ondulante, acompanhamento da ordem
associativa e evocativa das vivências que formam entre si, pela “mútua
compenetração” de seus elementos heterogêneos, a linha melódica da duração
(durée) bergsoniana.” A tênue intriga da segunda parte – o precário equilíbrio
de um triângulo amoroso – culmina em uma viagem, painel de fundo da inquietação
vertido num movimento de errância, numa intérmina busca. Intérmina também é a
narrativa que fica suspensa à insatisfatória busca interior de Joana: “[...]
sobretudo um dia virá em que todo meu movimento será criação, nascimento, eu
romperei todos os nãos que existem dentro de mim” (p.204).
Vê-se que a protagonista não é apenas um primeiro agente que
conduz a ação. Nela assenta a perspectiva mimética da narrativa, que poderíamos
chamar de monocêntrica, não só porque a personagem central a direciona, como também
porque nela centraliza-se a posição de quem está narrando. No entanto o uso da
terceira pessoa, como foco narrativo, põe o narrador a uma certa distância da
personagem. A parcimônia dos diálogos na obra de Clarice Lispector talvez
provenha desse monocentrismo.
Reparece nos dois personagens de O lustre, Daniel e Vírginia, a errância de Joana, também se
manifesta em surtos de evasão ou fuga. Acentua-se o monocentrismo da narrativa,
já aqui a adesão do sujeito narrador à personagem afetivamente carregada pela
empática visão infantil de Virgínia relembrando as coisas do lugar em que
viviam, Granja Quieta:
Ela abria grandes
olhos. Lá estava a pedra escorrendo em orvalho. E depois do jardim, a terra
sumindo bruscamente. Toda a casa flutuava, flutuava em nuvens, desligada do
Brejo Alto. [...] Um grito de café fresco subia da cozinha misturado ao cheiro
suave e ofegante de capim molhado. O coração baia num alvoroço doloroso e úmido
como se fosse atravessado por um desejo impossível. E a vida do dia começa perplexa.
(p.15-6)
No terceiro romance, A
cidade sitiada, intensifica-se o sentido do lugar, da localização espacial
da protagonista, Lucrécia Neves, como ambiente que circunscreve os seus atos e
lhes dá sentido: um certo subúrbio em crescimento, chamado São Geraldo. A ação se
resume num conjunto de quadros estáticos, com acentuados traços caricaturais da
vida suburbana. Não obstante essa moldura satírica, A cidade sitiada não é um romance de costumes. O humor nessa obra
está no distanciamento da narradora em relação à personagem; descomprometida
com as suas vivências, empresta-lhes algo de maquinal, dando-lhes uma ênfase cômica.
Tanto a protagonista quanto os demais personagens, caso do namorado, Perseu, são
como fantoches, figuras servas da cidade, descritos na posição espetacular, de
exterioridade cênica que ocupam:
Não importava o que tão
animados se diziam: eles mesmos eram para serem vistos como a cidade [...] Por
vezes o rapaz parecia andar para a frente e a moça ao redor dele dançava: era
quando ele sorria divino e puro, a Lucrécia Neves falava – e assim os outros
viam (p.49).
Seria correto denominar A
maçã no escuro como romance da transgressão e da renúncia ascética? Parece que
sim. Martim foge da casa acreditando ter matado a sua mulher e durante a fuga
esse transgressor, pela renúncia ao papel social exercido e pelo uso diferente
que começa a fazer da palavra, acaba adquirindo uma identidade de poeta e de
profeta. A transgressão corresponde à linha romântica da revolta, travejada por
enunciados assertóricos, que traduzem visão direta e próxima da personagem, e a
renúncia corresponde à linha mística de uma trajetória de reconquista da alma,
reclamada por enunciados modais (hipotéticos e dubitativos), que trazem um
estado de não conhecimento ou vislumbre da verdade apenas possível ou provável.
Os dois enunciados ocorrem cumulativamente na descrição da trajetória de
Martim, fazendo com que o ponto de vista da narradora oscile entre a visão direta
e a visão indireta e distanciada:
O próprio silêncio se
tornara diferente. Embora o homem não percebesse nenhum som, os passarinhos
voavam mais agitados como se ouvissem o que ele não ouvia [...] Provavelmente
aquela coisa para a qual, incerto, o homem caminhava era apenas criada pela sua
ânsia. E aquele modo intenso de querer se aproximar – pois solto no campo de
luz, o que aquele homem parecia apenas querer era obscuramente se aproximar –
na certa seu modo desajeitado de querer se aproximar não passava de um
substituto à sua ausência de linguagem (p.53).
A oscilação do ponto de vista da narradora denuncia,
incidindo numa temática da linguagem, que é comum às duas linhas de ação antes
assinaladas, o caráter problemático da forma narrativa em A maçã no escuro. Considerando-se essa temática, o itinerário de
Martim pode ser concebido como uma errância fora da linguagem comum. “Perdi a
linguagem dos outros” (p.32), exclama o personagem. Depois dessa perda, ele
consegue conquistar uma máscara verbal, retórica. Quem se defrontara antes com
a palavra crime, é agora empolgado pela palavra salvação. Assim, o itinerário do
personagem é também um caminho por entre palavras – mas numa peregrinação em
círculo, que volta ao ponto de partida: à linguagem comum, constituída de
frases feitas e de clichês verbais: “A verdade dos outros tinha que ser a sua
verdade ou o trabalho de milhões se perderia. Não seria esse o grande lugar
comum a todos?” (p.230-231).
Martim está submetido à provocação e à provocação da
linguagem. As palavras o formam e deformam. Esse conflito do personagem é um
conflito dramático que se estende à própria forma narrativa do romance, sob o
perigo da simulação e do ocultamento, internamente minada por esse drama da
linguagem, também patente nas hesitações e interrogações do narrador,
dubitativo e perplexo. O drama da linguagem se incorpora à forma narrativa: os
enunciados modais e as frases interrogativas abundam, marcando as hesitações do
narrador, dubitativo e perplexo. Em consequência disso, se estabelecem íntimas relações
entre o sujeito-narrador e o personagem. Quem narra não se identifica com
Martim e só pode vê-lo em projeção. Desse modo, o sujeito-narrador envolve-se
no drama da linguagem e de autor torna-se ator por desdobramento dramático: “Oh
Deus, Deus: ele estava exausto. Ele não queria nenhuma apoteose” (p.45). Com o
fracasso pessoal de Martim, também fracassa o dizer da narrativa, na qual
afluem temas gerais, de ordem filosófica e religiosa – liberdade e ação, bem e
mal, conhecimento e vida, intuição e pensamento, Deus e existência.
Fracasso da personagem, drama da linguagem narrativa e
confluência de temas gerais se verificam igualmente em A paixão segundo G. H., o quinto romance de Clarice Liscpetor e o
primeiro por ela escrito em primeira pessoa.
O livro é o relato de longa e sofrida introspecção, a que
deu causa a um incidente trivial: o esmagamento de uma barata doméstica ao
fechar a personagem a porta de um guarda-roupa no quarto do fundo,
recém-desocupado pela empregada que o habitara, de seu apartamento de luxo. A introspecção
segue o curso da experiência mística, como se em tudo parodiasse a ascese
espiritual, sem que nela falte o momento de êxtase, em que a personagem perde o
seu Eu e a narrativa sua identidade literária.
Narradora e personagem são aí inseparáveis: ligam-se entre
si pelo indecifrável onomástico G. H., que as deixa no anonimato ao
conferir-lhes precária identidade pública, abalada por um trivial incidente. A deambular
em seu apartamento, G. H., ao passar do lado social e familiar ao obscuro e
marginal, qual seja, o quarto de empregada, é presa de violento sentimento de
estranheza ao deter-se diante da barata por ela esmagada num acesso frenético.
Foi então que a barata
começou a emergir [...] Era parda, era hesitante como se fosse enorme de peso. Estava
agora toda visível. [...] Uma rapacidade toda controlada me tomara, e por ser
controlada ela era toda potência [...] Sem nenhum pudor, comovida com minha
entrega ao que é o mal, sem nenhum pudor, comovida, grata, pela primeira vez eu
estava sendo a desconhecida que eu era – só que desconhecer-me não me impedia
mais, a verdade já me ultrapassara: levantei a mão como para um juramento, e
num só golpe fechei a porta sobre o corpo meio emergido da barata [...]
(p.52-3).
Diante do cadáver do inseto que lhe dá náuseas, e que ingere
num ato de comunhão sacrílega, opera-se a metamorfose interior da narradora, o
desapossamento de sua alma. De um lado, o grotesco do animal, de outro a introspecção
paroxística, submergindo a personagem em si mesma, no Eu que sofre a
experiência e tenta contá-la cindido num outro, anônimo, impessoal e neutro
como o deserto. “E na minha grande dilatação, eu estava no deserto. Como te
explicar? Eu estava no deserto como nunca estive. Era um deserto que me chamava
como um cântico monótono e remoto chama. Eu estava sendo seduzida. E ia para
essa loucura promissora” (p.60). Um fio dialogal entrançado no leitor, feito
interlocutor imaginário, permanece nesse estirado monólogo: “Enquanto escrever
e falar vou ter que fingir que alguém está segurando minha mão” (p.16)
[...] Segura a minha
mão, porque sinto que estou indo. Estou de novo indo para a mais primária vida
divina, estou indo para um inferno de vida crua. Não me deixes ver porque estou
perto de ver o núcleo da vida [...] Eu chegara ao nada, e o nada era vivo e
úmido (p.60-1).
Loucura, inferno, prazer infernal, vida crua, orgia de
Sabath – essas apóstrofes, que qualificam a metamorfose de G. H., marcam, também,
a metamorfose da narrativa, convertida, à beira do nada, inenarrável, que tolhe
o ato de enunciação, numa possível busca do inexpressivo e do silêncio. Só o
expediente do interlocutor de apoio, a quem ela se dirige, assegura a recuperação
do Eu na ficção – o monólogo no diálogo – e a possibilidade de falar do que não
tem nome:
A despersonalização
como a grande objetivação de si mesmo. [...] A deseroização é o grande fracasso
de uma vida. Nem todos chegam a fracassar porque é tão trabalhoso, é preciso
antes subir penosamente até enfim atingir a altura de poder cair – só posso alcançar
a despersonalidade da mudez se eu antes tiver construído toda uma voz
(p.176-177).
Entregue ao silêncio, ao não entendimento dos místicos, G.
H. defronta-se à matéria neutra, à vida crua de que ela e a barata participam,
e a que chama de o Deus, usando a
palavra como substantivo comum, em vez de Deus. Deus invocado em Água viva com o pronome inglês it, esse Deus neutro seria o Outro, o
diferente e o estranho, em que se aliena e no qual se encontra, paradoxalmente
uma intimidade exteriorizada, conforme exprime pela torção reflexiva dos verbos
ser, existir e olhar:
O mundo se me olha. Tudo
olha para tudo, tudo vive o outro; neste deserto as coisas sabem as coisas
(p.66). [...] Aquilo que eu chamava de “nada” era no entanto tão colado a mim
que me era... eu? E portanto se tornava invisível como eu me era invisível, e
tornava-se o nada (p.79).
A vida introspectiva, num grau paroxístico que leva ao
paradoxo na linguagem, inverte-se, pois, na alienação da consciência de si. Pelo
naufrágio na introspecção, a personagem desce às potências obscuras, perigosas
e arriscadas do inconsciente, que não têm nome. Depois desse mergulho na subsolo
escatológico da ficção, nas águas dormidas do imaginário, comuns ao sonho, aos
mitos e às lendas, a voz reconstruída de quem narra só poderá ser uma voz
dubitativa, entregue à linguagem – aos poderes e a impotência da linguagem,
distante e próxima do real extra-linguístico indizível:
Ah, mas para se chegar
à mudez, que grande esforço de voz [...] A realidade antecede a voz que a
procura, mas como a terra antecede a árvore [...] Eu tenho à medida que designo
– e este é o esplendor de se ter uma linguagem. Mas eu tenho muito mais à
medida que não consigo designar. A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o
modo como vou buscá-la – e como não acho [...] A linguagem é meu esforço humano.
Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas –
volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de
minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu
(p.178).
Esse feeling do
fracasso da linguagem acompanha como um baixo-contínuo o jogo da identidade da
narradora, convertida em personagem, e de sua narrativa convertida num espaço literário
agônico.
Depois de A paixão segundo
G. H., um narrativa monologal, dá-se um interregno na ficção de Clarice: Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres,
polarizada pelo diálogo e não pelo monólogo, em que, pela primeira vez, ocorre
na obra da autora a tematização da vida social. Mas é aquele mesmo sentimento
do fracasso da linguagem, acompanhando a agonia narrativa, que retornaria em A hora da estrela, no qual se travam um
embate e um debate. Em Uma aprendizagem
ou O livro dos prazeres, a meditação apaixonada feita de súbitas iluminações,
se produzem de maneira recíproca, provocando o movimento dubitativo, dramático,
de uma escrita errante, autodilacerada, à procura de sua destinação, impelida
pelo vago objeto do desejo, que desce ao limbo da vida impulsiva para subir a
uma forma de improviso intérmino, no qual parece abolir-se a distinção entre
prosa e poesia, e que, fluxo verbal contínuo, sucessão de fragmentos da alma e
do mundo, já não pode mais receber a denominação de conto, romance ou novela –
improviso porque desenrolado tal o impromptu
musical, ao leo de múltiplos temas e motivos recorrentes (autoconhecimento, expressão,
existência, liberdade, contemplação, ação, inquietação, morte, desejo de ser,
identidade pessoal, Deus, o olhar, o grotesco e o escatológico).
Um modo esquizoide de escrever, diríamos, repetindo o
francês Roland Barthes, à custa da “cisão vertiginosa do sujeito”, do
desdobramento da consciência reflexiva, mas que funda a ficção e, juntamente
com ela, o ficctício da identidade do narrador a que se refere O prazer do texto (1973), em confronto
com a identidade fictícia de seu personagem. O narrador de A hora da estrela é Clarice Lispector. Ao contrário de Flaubert,
que permaneceu sempre por trás de seus personagens, Clarice Lispector expõe-se,
quase sem disfarce, exibindo-se ao lado deles. Também ela persona, na condição patética do escritor culposo (relativamente a
Macabéa), que finge ou mente para alcançar uma certa verdade da condição
humana, mas sabendo que mente, como que parodia o dito cartesiano, “Eu que
penso, sou” – o cogito do filósofo
francês René Descartes – com outra interrogação: Eu que narro, quem sou?
Expressão desse cogito
filosófico invertido, Um sopro de
vida mantém esquema triádico de composição quanto aos personagens,
semelhantes ao de A hora da estrela:
autor interposto e personagem feminina,desta vez uma escritora (Angela), ambos
como heterônimos da romancista, Clarice Lispector, mais presente do que
ausente.
A cisão do sujeito narrador, o seu desdobramento,
transpõe-se aqui, diferentemente do que ocorrera em A hora da estrela, para o próprio plano da obra de Clarice Lispector,
de que aquele livro póstumo é uma recapitulação – paráfrase e paródia – sob dois
focos, o de Angela e o do autor, feminino e masculino em oposição. Ora como
parte da linguagem da primeira, ora como parte da linguagem do segundo,
encontram-se disseminados e modificados na obra, frases, conceitos, maneiras de
agir e de pensar, locuções e passagens, crônicas e romances da ficcionista.
“Angela é a minha tentativa de ser dois [...] No entanto,
ela me é eu” (p.32-3), diz autor. “Eu
sou uma atriz para mim” (p.37), replica Angela, falando de si para si mesma. Declaradamente
criação do autor, essa escritora tem, contudo, personalidade própria: a conclusão
daquela reveza com a desta: dois monólogos alternados que jamais confluem num
diálogo. Não há correspondência entre as duas pautas verbais do mesmo improviso narrativo, e que formam,
todavia, uma só escrita errante, empática, hiperbólica, repetitiva,
contaminando o leitor com a força sorrateira de um entusiasmo maligno,
infeccioso – de um “infectious enthusiasm”,
como diria Jane Austen – que se propaga da presença declarada de Clarice
Lispector. Personagem de seus personagens, autora e leitora de seu próprio
livro, que nele e através dele se recapitula. Clarice Lispector, ortônima no
meio de heterônimos, finalmente se inclui no fecho da obra, escrevendo o
antecipado epitáfio por onde começa e acaba o texto de Um sopro de vida:
Já li este livro até o
fim e acrescento alguma notícia neste começo. Quer isso dizer que o fim, que não
deve ser lido antes, se emenda num círculo ao começo, cobra que engole o
próprio rabo. E, ao ter lido o livro, cortei muito mais do que a metade, só deixei
o que provoca e inspira para a vida: estrela acesa ao entardecer [...] No
entanto eu já estou no futuro. Esse meu futuro que será para vós o passado de
um morto. Quando acabardes este livro chorai por mim um aleluia. Quando fechardes
as últimas páginas deste malogrado e afoito e brincalhão livro de vida então esquecei-me.
que Deus vos abençoe então e este livro acaba bem. Para enfim eu ter repouso. Que
a paz esteja entre nós, entre vós e entre mim. Estou caindo no discurso? Que me
perdoem os fiéis do templo: eu escrevo e assim me livro de mim e posso então descansar (p.20).
O jogo de identidade que a narradora manteve consigo mesma
cessa quando o texto, pré-meditação da morte, transforma-se em estrela fúnebre.
Texto publicado inicialmente em Cadernos de Literatura Brasileira, n.17 e 18, publicação do Instituto Moreira Salles.
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