Ruben G. Nunes e seu admirável livro novo
Por Thiago Gonzaga
Detalhe da capa de O ponto oco, de Ruben G. Nunes, a partir de desenho do artista plástico Marcos Guerra. |
“O homem tem de se inventar todos os dias”
Jean-Paul Sartre
Carioca radicado em Natal, Ruben Guedes Nunes, Oficial da
Marinha, veio residir na cidade potiguar em 1960 já como 1º Tenente, na Base Naval. E criou
raízes, enveredando pela literatura, em estreia com o livro de poemas, Tempos Humanos (1971) prefaciado por Câmara Cascudo, que exalta a beleza do
trabalho literário do jovem escritor.
Nos anos 70, Ruben G. Nunes, como passou a assinar-se, dá
início a sua saga de ganhador de concursos literários, ao obter duas menções
honrosas no Prêmio Câmara Cascudo de 1978 e Prêmio Fundação José Augusto de 1979.
Ainda nessa década foi um dos premiados no concurso 5 Contistas Potiguares,
promovido pela Fundação José Augusto.
Porém, é no início dos anos 80 que o escritor dá um salto
significativo na sua produção literária, e entra para a história da literatura
potiguar, ao escrever Gestos mecânicos, romance em que se percebe a influência
de James Joyce, o célebre autor de Ulisses. Mas, entre parêntesis, é preciso
enfatizar que Ruben tem sua própria marca, seu próprio estilo, inconfundível e excepcional.
Com Gestos mecânicos ganha o Prêmio Elias
Solto e o Prêmio Câmara Cascudo de 1981.
Outra arrebatadora obra do escritor, Dotô, casa comigo?, venceu
o Prêmio Câmara Cascudo em 1982, mas só foi lançada em 2003. O texto nos dá a visão impactante do pequeno mundo de um manicômio a sugerir
reflexões, contando a história de um amor fraturado. De permeio, uma narrativa
de ficção cientifica.
Pós-doutor em Metafísica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, professor aposentado
do Departamento de Filosofia da UFRN, Ruben G. Nunes, nos presenteia, novamente,
com um romance, O ponto oco (Prêmio Câmara Cascudo de 2007).
Autor mais premiado do estado (romance, conto, poesia,
crônica), além de único, até agora, agraciado quatro vezes com o maior prêmio
de literatura do RN, o Câmara Cascudo, recebeu ainda varias menções honrosas,
dentre elas do Concurso de Poesias Luís Carlos Guimarães.
A premiada obra O ponto oco, é uma espécie de fluxo, como
se fosse um rio. O personagem que narra a história, está no bar do Lourival (um dos botecos mais antigos de Natal), e vai fazer xixi. Nesse caminho da
urina, ele vai se lembrando da vida, de
perdidos, achados, tristezas, loucuras. “Tudo começa com a mijada e termina
também assim” – diz o autor. E acrescenta: “É um romance em fluxo quase
circular. Começa quase onde termina, termina quase onde começa. Sugere,
todavia, um não-terminar, uma reticência”.
O enredo, na verdade,
constitui toda essa visualização do cotidiano do personagem vídeopassando no
fluxo urinário, até o final. O romance é uma mijada. Há muita sonoridade e
reinvenções na construção das palavras e close de cenas. Ponto Oco é o
apartamento locado por Pedro e seus amigos de fé, em Natal, para os encontros
com as amantes. Segundo esse personagem, é o lugar onde se encontram todas as
verdades e onde elas nada valem por si, mas somente no fluxo (in) finito de
seus encontros, desencontros e de suas diferenças. No apartamento Ponto Oco, Pedro e seus amigos dizem que praticam uma boa ação matrimonial, mantendo a
chama do casamento de cada um acesa pela catarse da chama da amante. Retornam ao
lar purificados e renovados. “Tudo por ela (a amada), através delas (as
amantes)”.
Em O ponto oco Ruben G. Nunes navega pelos rios da vida,
nos levando para um oceano literário pleno de imaginações e questionamentos. Um
livro para ler com calma, tempo e dedicação; ler e reler. Percebe-se ao longo
da leitura a presença de um escritor consciente do seu ofício, engenhoso com o
manuseio das palavras, e que atinge tanto na linguagem, quanto no conteúdo, o
domínio perceptível das sensações e o apuro formal das técnicas literárias
criativas. De O ponto oco emana uma
força lírica que nos alcança no mais profundo abismo do isolamento e nos
arrebata para um universo ficcional belíssimo. Ficção que sacia nossa sede de
algo que buscamos no nosso mais recôndito interior. Uma vez um jornalista
perguntou a Clarice Lispector: “Por que você escreve?”. E ela respondeu com
outra pergunta: “por que você bebe água?”.
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