Recriar o “Eu”, de Augusto dos Anjos
Por Pedro Fernandes |
Fac-símile com opinião de Carlos Drummond de Andrade acerca do livro Eu, de Augusto dos Anjos. A imagem está disponível no tumblr do professor Moreno Barros, aqui. |
“Li
o Eu na adolescência e foi como se levasse um soco na cara. Jamais eu
vira antes, engastadas em decassílabos, palavras estranhas como simbiose,
mônada, metafisicismo, fenomênica, quimiotaxia, zooplasma, intracefálica... E
elas funcionavam bem nos versos! Ao espanto sucedeu intensa curiosidade. Quis
ler mais esse poeta diferente dos clássicos, dos românticos, dos parnasianos,
dos simbolistas, de todos os poetas que eu conhecia. A leitura do Eu foi
para mim uma aventura milionária. Enriqueceu minha noção de poesia. Vi como se
pode fazer lirismo com dramaticidade permanente, que se grava para sempre na
memória do leitor. Augusto de Anjos continua sendo o grande caso singular da
poesia brasileira.”
O depoimento é de Carlos Drummond de Andrade para o livro de
Augusto dos Anjos. Eu é uma obra singular
na literatura brasileira; por singular, entenda-se que não dispõe de um lugar próprio no nosso cânone literário. O estudo de Lúcia Helena intitulado A cosmo-agonia de Augusto dos Anjos, fundamental para a leitura da poética do paraibano, encontra nesse livro (mas não só) uma síntese das principais manifestações estéticas vigentes em 1912.
O lugar inusual do Eu faz o livro dispor pelo menos duas correntes de leitura fundadas ainda no calor de quando saiu a publicação: uma que se espanta com o poder do poeta paraibano de incutir poesia à palavra científica;
outra que não compreende esse rico trabalho como materialidade da poesia. Verdade é
que os da segunda corrente foram já quase enterrados.
E se os modernistas deixaram de perceber a modernidade da poesia de Augusto, imagine os parnasianos. São eles, aliás, que engrossam o segundo cordão. Conta-se que na ocasião da morte do poeta paraibano, Olavo Bilac, o eleito príncipe dos poetas, teria dito que “A poesia brasileira não perdeu grande coisa.”¹
Mas, o Eu ganha uma admiração popular e pode-se mesmo atribuir ao fora do universo intelectual como o lugar da
conquista da presença, o que o fez perdurar até o presente com essa marca de singular. O poeta recitado
por bêbados teve entre o povo a fluência não alcançada no seu tempo e hoje sua
obra é um dos livros mais reeditados no Brasil, o que Bilac não conseguiu, nem em vida, nem depois de morto, ainda que sejam igualmente amados pela gente comum.
Em 2012, o Eu fecha seu centenário. Pela data, postei por aqui um texto meu editado no caderno Domingo, do jornal De
Fato. Nele, procuro ressaltar a grandiosidade do trabalho empreendido por Augusto dos
Anjos na confecção da palavra poética e na elaboração do seu livro.
Já havia na web
várias alternativas de homenagem ao escritor: uma, que se diz a mais antiga,
posta on-line desde os idos 1995.
Esta, talvez seja a mais completa, porque além dos dados biográficos reúne
parte significativa da obra poética de Augusto, opiniões públicas de
importantes nomes como essa de Drummond com que abro esta post, entre outros.
Agora,
o jornal Paraíba Online montou um site que marca os 100 anos do Eu. Nele, encontramos um Augusto dos
Anjos renovadamente moderno e outras faces da sua obra, seja a da
música, seja a da representação oral com Arnaldo Antunes, Elba Ramalho, Othon
Bastos e Vladimir de Carvalho, seja a dos quadrinhos, seja ainda a adaptação
para o cinema com a amostra de três curtas produzidos com base na poesia do seu único livro. A página reúne ainda os seus mais
conhecidos poemas e destaca excertos das principais formulações críticas em
torno da obra, como o ensaio escrito por Ferreira Gullar. A novidade
vale muito uma visita. Basta ir por aqui.
Para ir ao projeto de 1995, é só ir aqui. Há também um site criado pela TV Senado por ocasião dos 95 anos do livro de Augusto dos Anjos. Pela época, o canal dispôs um documentário que destaquei na página do Letras no Facebook por esses dias, Eu, estranho personagem (que pode ser assistido aqui, parte 1, e aqui, parte 2); daí, criou o site, mas está a muito precisando de uma manutenção. Fica, de todo modo, o registro.
Que tais iniciativas sirvam para o que deve ser a função essencial das homenagens: renovar e formar interesses entre os leitores. Afinal, como atesta o livro de Augusto dos Anjos é graças aos leitores que uma obra pode perdurar no tempo.
Que tais iniciativas sirvam para o que deve ser a função essencial das homenagens: renovar e formar interesses entre os leitores. Afinal, como atesta o livro de Augusto dos Anjos é graças aos leitores que uma obra pode perdurar no tempo.
Notas
1 A anedota é contada por Chico Viana em “As múltiplas faces do Eu de Augusto dos Anjos”.
Comentários