Onze obras do teatro moderno e contemporâneo fundamentais a todo leitor
Samuel Beckett: Renovar o teatro pelo absurdo. |
O teatro é
uma das artes mais antigas da história da humanidade. Sua prática recorre a um
tempo imemorial, identificado com as práticas religiosas e mágicas das
primeiras sociedades; nasce envolto à música e ao canto e está, assim, num
tempo anterior ao da arte literária. Massaud Moisés em A criação literária sublinha que os documentos mais antigos ancoram
o nascimento dessa expressão em solo grego, aproximadamente no século VI a. C.
Nesta
postagem, listamos algumas das peças fundamentais à biblioteca de todo leitor
interessado ou não a essa manifestação artístico-literária. É uma lista que
desmembrada de outra, que copiou obras essenciais dessa forma em prosa na
antiguidade grega e europeia. Os títulos dessa lista são de autores
contemporâneos – grande parte dedicada à renovação e, logo, atualização da
forma em seu tempo.
Não se trata
como costumamos lembrar de uma lista completa, única e definitiva; são indicações.
Também não é um ranking entre melhores ou piores peças. E, dada a raridade de
leitores e publicações dessa forma de expressão, uma oportunidade para contribuir
para a renovação ao contrário desse estatuto social. O teatro é, sim, uma
expressão literária tão importante quanto as demais expressões e merece um
lugar especial nas nossas estantes e listas de leituras.
- Salomé, de Oscar Wilde. Não foi o
trabalho como romancista o principal do escritor e sim o de dramaturgo – apesar
de ser lembrado e reconhecido, em grande parte por O retrato de Dorian Gray, sua única prosa romanesca. Da extensa
lista de peças teatrais, a indicada nesta lista é, certamente, a mais conhecida.
Escrita originalmente em francês, em 1891, quando Wilde passou uma temporada em
Paris, trata-se de uma história inspirada em passagens bíblicas que conta num
único ato uma festa celebrada no palácio do tetrarca Herodes Antipas. É a festa
em que Salomé revela-se apaixonada por João Batista, que estava preso no castelo
por ter denunciado publicamente o casamento incestuoso entre Herodes e
Herodíade. O texto é uma reconstrução, portanto, do episódio bíblico sob a ótica
de Oscar Wilde.
- O círculo de giz caucasiano, de Bertolt
Brecht. Criador do chamado teatro engajado, todos reconhecem em Brecht o
trabalho político com o qual insuflou as situações de suas peças. Tinha o
interesse de despertar o expectador para sua condição no mundo. A peça aqui
indicada não foge desse conceito. Escrita em 1944, quando Brecht já se encontrava
exilado nos Estados Unidos, O círculo
de giz estreou em 1948. A cena se passa no âmbito da Revolução Russa e fala
sobre questões como a justiça, a guerra e o amor maternal através da história
de Miguel, um bebê filho de um governador assassinado durante uma revolta. A criança
é abandonada pela mãe, Natella Abaschvíli, mais preocupada em salvar sua
própria cabeça (e seus vestidos). Miguel é salvo pela empregada que coloca em
risco sua própria vida para poder cuidar da criança. No Brasil, a tradução do texto
foi feita por ninguém menos que Manuel Bandeira.
Tchékhov, revolucionário do teatro russo |
- A gaivota, de Tchékhov. Sua obra está,
no âmbito do panorama do teatro russo, entre as mais inovadoras do limiar do
século XX. Além do texto aqui indicado, sua obra do gênero está composta por
títulos bem conhecidos do leitor brasileiro, como O Jardim das Cerejeiras, As três
irmãs, Tio Vânia e Ivánov. A inovação do teatro do escritor
se dá por uma escrita que minimiza a importância da fábula e se concentra na
ação e não propriamente na intriga. A
gaivota foi escrita em 1895 e reescrita até 1896 e é a primeira das quatro
peças que notabilizaram Tchékhov no teatro, quando o autor já era mestre de uma
contística singular. Trata-se de "comédia séria" de ambições
desfeitas, sonhos sem futuro e tessitura ao mesmo tempo realista e musical. A
peça narra os conflitos de um jovem escritor cuja ligação com o espectador é
dada de maneira direta por apresentar uma visão profunda de uma sociedade cada
vez mais vulnerável aos males existenciais. Trepliov é o filho de uma atriz
famosa que ao apresentar sua peça ao ciclo social de sua mãe fracassa por duas
vezes: por sua peça rejeitada pela elite do meio e por seu amor. Nina
apaixona-se por Trigorin, um famoso escritor namorado da mãe de Trepliov.
- Casa de bonecas, de Henrik Ibsen. A obra
começou a ser escrita em 1878 e foi concluída em 1879. Na ocasião provocou
muitas polêmicas e escândalos dado o seu teor: a peça denunciava a exclusão das
mulheres na sociedade burguesa. Dividida em três atos, Casa de bonecas questiona as convenções sociais, como o casamento e
a hipocrisia com eram tratadas as mulheres, dentro e fora de casa. A peça conta
a história de Nora, a mulher que representa a sujeição das mulheres aos mandos
do marido; ela, depois de questionar sua posição, de porquê necessita responder
pela relação de submissão ao marido Helmer, decide abandonar a casa e os filhos
em busca de sua liberdade pessoal.
- Pigmaleão, de Bernard Shaw. Na
mitologia antiga, Pigmaleão se apaixona pela estátua que ele próprio esculpiu.
A peça conta a história de Eliza Doolitle, uma vendedora de flores ambulante na
Londres do início do século XX. A linguagem da personagem é uma afronta à
língua inglesa por seu vocabulário paupérrimo e de baixo calão, como pode constatar
um eminente fonético que aposta de si para a si e com o amigo o desafio de educá-la
e fazê-la passar por uma dama da sociedade. O professor então faz as vezes da
personagem clássica ao tentar reproduzir uma cópia da mulher ideal, tal como
faz Pigmaleão com sua escultura.
- Seis personagens à procura de um autor,
de Luigi Pirandello. É uma das peças mais conhecidas do dramaturgo italiano que
escreveu em prosa romances, contos, novelas e outros textos para o teatro como Assim é (se lhe parece). Pelo seu reconhecido
trabalho, Pirandello tornou-se não apenas um dos mais importantes contadores de
história da Itália do século XX, como teve esse reconhecimento atestado com a
recepção do Prêmio Nobel de Literatura em 1934. O texto aqui indicado de 1921 é
uma referência no chamado metateatro – isto é, quando o teatro se dispõe a
pensar sua própria forma. Um ensaio é invadido por seis personagens que foram
rejeitadas por seu criador e tentam convencer o diretor da companhia a encenar
suas vidas. As discussões aí construídas entre as personagens e o diretor
compõem uma análise filosófica sobre o teatro. Não apenas ensaiam uma tese
sobre o texto dramático, os diálogos evidenciam ainda a querela sobre as formas
de se fazer teatro – compondo uma espécie de reencontro com a história desse
gênero e desfilando críticas às incongruências patentes nos discursos teóricos
a seu respeito.
- Esperando Godot, de Samuel Beckett. É de
autoria do autor irlandês o que a crítica conceituou como teatro do absurdo.
Muito próximo do desempenhado por Pinter: preocupado em evidenciar os lapsos
entre as relações humanas num tempo de incerteza e iminência. Esta é peça mais conhecida
de Beckett e foi seu primeiro texto teatral. Escrito originalmente em francês,
o texto foi publicado em 1952. Em cena, duas personagens, Vladimir e Estragon,
à beira duma estrada, embaixo de uma árvore, estão à espera de um sujeito chamado
Godot – sujeito sobre o qual nada se diz a respeito, nem porque o esperam. O
longo diálogo entre os dois é interrompido com a entrada de Pozzo e Lucky.
Desenvolvido em dois atos, no ato seguinte, a jornada de espera permanece e
novamente marcada pela presença das duas personagens que se apresentam uma cega
(Pozzo) e outra muda (Lucky).
Harold Pinter: a insuficiência da comunicação é também motivo para o teatro. |
- Volta ao lar, de Harold Pinter. O
dramaturgo ainda muito desconhecido entre os leitores brasileiros, apesar de
muitas vezes encenado por aqui, ganhou o Prêmio Nobel de Literatura em 2005. É
um dos mais destacados autores pela possibilidade de reinventar o aspecto
trivial da comunicação – isto é, revelar-nos o quanto essa comunicação que
julgamos eficiente é falha, rudimentar e imprecisa. Na peça aqui indicada, Pinter
toca, com esse seu estilo precioso de subversão dos dizeres, em questões de
ordem familiar: é a história de um viúvo com três filhos, um tio e uma nora
marcados por carências, frustrações e fúrias. A obra recupera o tema bíblico da
volta ao lar do filho pródigo; nesse caso, o retorno não é comemorado pela
família.
- A morte do caixeiro viajante, de Arthur
Miller. Este é um mestre na arte de contar histórias no teatro. A lista de
obras de grande importância, criativa, temática e sucesso de bilheteria é significativa.
A peça aqui indicada foi escrita em 1949 e trata-se de uma peça que, no dizer
da crítica subverte a clássica história da queda trágica do herói. Conta a
história de Willy Loman, um vendedor de meia-idade que vê sua vida familiar e
profissional sucumbir à revelia de sua ilusão de grandeza. Ele acredita conseguir
ser com muitos do seu tempo e trilhar as pegadas em busca do chamado american dream. Mas, tudo se dá pelo avesso. A relação ambígua de
dependência que mantém com o filho Biff, no qual projeta o sucesso que ele
própria gostaria de ter alcançado, é o principal conflito da trama. Outros
textos tão bons quanto de Miller são As
bruxas de Salém e Um panorama visto
da ponte.
- In nomine Dei, de José Saramago. Todos conhecem
a irascível obra romanesca de José Saramago, único escritor de língua
portuguesa a receber o Prêmio Nobel de Literatura. E, apesar de muitos conhecerem
adaptações de obras do escritor para o teatro: a partir de O conto da ilha desconhecida, O
evangelho segundo Jesus Cristo, entre outros, poucos sabem que ele também
escreveu peças de grande valia para o teatro português. Embebido do mesmo
espírito revolucionário de Bertolt Brecht e seu teatro social, Saramago quer
reinventar temas ou corrigir determinados equívocos da história através de sua
obra do gênero. Assim faz com In nomine
Dei uma peça que se passa na cidade alemã de Münster, entre maio de 1532 e
junho de 1535 e narra os acontecimentos, baseados em fatos reais, das lutas
entre Protestantes e Católicos.
- O leão e a joia, de Wole Soyinka. O
autor foi o primeiro africano a receber um Prêmio Nobel de Literatura. Sua única
obra recém-publicada no Brasil é esta, cuja história recupera a tradição da
Nigéria, país natal do escritor. Não só tradições, mas as questões de corte político
estão aí apresentadas. Sustém a história o triângulo amoroso composto por Sidi,
a joia e beleza da aldeia da nação iorubá que se vê assediada por dois opostos
que querem casar com ela: Lakunle, professor progressista que cultua os valores
ocidentais e cujo objetivo é estabelecer costumes europeus contra as tradições
ancestrais da aldeia e Baroka, o chefe da aldeia, exaltador dos costumes tradicionais.
A peça recorre à música, dança e linguagem popular para não deixar que esse
debate entre as duas forças corrompa o estatuto literário do texto que coloca
em contraste duas opções fundamentais no embate de forças constitutivos da África
colonial e pós-colonial.
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