João Ubaldo Ribeiro, o Prêmio Camões de 2008
"Em primeiro lugar desaconselharia o jovem candidato a escritor a continuar; sugeriria que desistisse enquanto é tempo. Mas se isso for mesmo impossível, eu diria: então está bem, persista, vá em frente, leia muito, todas essas coisas que são lugares-comuns. E principalmente: seja humilde, mas combine essa humildade com certa obstinação. O resto, não é com você, amigo. É um mistério."
(João Ubaldo Ribeiro)
João Ubaldo Ribeiro. Foto de Bruno Veiga. |
No último dia 26 de julho, o escritor brasileiro João Ubaldo
Ribeiro teve mais um motivo em que o mistério de ser escritor, ainda que se
dilate, não se explica. Estou falando dele ter sido mais um escritor brasileiro
a ser galardoado pelo conjunto da sua obra com o que podemos chamar de Nobel
das Literaturas de Língua Portuguesa, o Prêmio Camões, criado em 1988, em sua
vigésima edição, portanto. Ano passado havia sido entregue ao escritor
português António Lobo Antunes. Também o Nobel José Saramago já recebeu o
prêmio. Com este galardão passa o escritor a integrar a galeria destes lusos e
de outros brasileiros que já tiveram a honra de trazer o prêmio para cá, como o
poeta João Cabral de Melo Neto, em 1990, a romancista Rachel de Queiroz em
1993, o romancista Jorge Amado em 1994, Lygia Fagundes Telles em 2005, entre
outros. Mas quem é João Ubaldo Ribeiro? O blog Letras in.verso e re.verso,
aproveita o momento e o apresenta brevemente aos seus leitores.
Traços biográficos
Nasceu em 1941 em Itaparica, Bahia. Iniciou no jornalismo trabalhando como repórter no Jornal da Bahia e, tempos depois, tornou-se editor-chefe do Jornal A Tribuna da Bahia. Mais tarde passou a assinar textos semanais nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo. Formou-se em Direito, mas nunca chegou a exercer a profissão.
Participou de algumas coletâneas antes de publicar seu primeiro livro, intitulado Setembro não tem sentido, em 1968. Com seu segundo livro, Sargento Getúlio, de 1971, ganhou o Prêmio Jabuti e o respeito da crítica literária por sua obra que ganha em 1984 um dos títulos mais significativos para a literatura de língua portuguesa, Viva o povo brasileiro.
Morou nos EUA, em Portugal e na Alemanha. Participou de adaptações de textos seus e de terceiros para televisão e cinema e foi premiado e homenageado em várias partes do mundo.
O escritor morreu aos 73 anos no Rio de Janeiro.
Traços literários
"Se não entendo tudo, devo ficar contente com o que entendo. E entendo que vejo estas árvores e que tenho direito a minha língua e que posso olhar nos olhos dos estranhos e dizer: não me desculpe por não gostar do que você gosta; não me olhe de cima para baixo; não me envergonhe de minha fala; não diga que minha fala é melhor do que a sua; não diga que eu sou bonito, porque sua mulher nunca ia ter casado comigo; não seja bom comigo, não me faça favor; seja homem, filho da puta, e reconheça que não deve comer o que eu não como, em vez de me falar concordâncias e me passar a mão pela cabeça; assim poderei matar você melhor, como você me mata há tantos anos."
(trecho de Vida Real, João Ubaldo Ribeiro)
O estilo literário de João Ubaldo Ribeiro é basicamente construído pela ironia atenta e alimentada pela observação do contexto social do Brasil, abrangendo também culturas portuguesa e africanas. Antonio Olinto, escritor, crítico literário, diplomata e membro da Academia Brasileira de Letras, diz que Ubaldo Ribeiro constrói a estrutura do romance muitas vezes começando a história pelo meio, como se ela já houvesse existido antes. "Mas como falar deste país sem o lanho do humor? Em tudo insere João Ubaldo a visão do humorista, que vê o que não aparece, identifica a nudez das gentes, entende os pensamentos ocultos", diz Olinto. Segundo ele, o humor atinge seu auge em Vencecavalo e o Outro Povo.
Olinto também reforça que "no fundo, chega João Ubaldo à criação de um país e de um povo, país dele e povo dele, mas também país que existe fora das palavras e povo que ri fora e dentro das palavras. As duas realidades - a real, que envolve o caminho de cada brasileiro e a realidade não menos real, mas com outras vestiduras - mesclam-se na obra de João Ubaldo de tal maneira que ele acaba promovendo uma invenção do Brasil e uma invenção de cada um de nós. Nisso - e no modo como pega no país para o mostrar pelo avesso, e nas gentes desse país, para mostrá-las de cara lavada - provoca uma reação de espanto e incredulidade." Segundo Olinto, João Ubaldo é o "porta-voz" do Brasil, devido os inúmeros materiais produzidos por ele quanto às condições atuais sociais. Essas análises, não só encontradas em livros, podem ser descobertas também na grande gama de artigos escritos por Ubaldo em diversos jornais do país.
"Eu sumir, eu sumir? Como que eu posso sumir, se primeiro eu sou eu e fico aí me vendo sempre, não posso sumir de mim e eu estando aí sempre estou, nunca que eu posso sumir. Quem some é os outros, a gente nunca. (...) Depois o chefe me mandou buscar isso aí, e eu fui, peguei, truxe, amansei, e vou levar mesmo porque que o chefe agora não possa me sustentar, eu levei o homem, chego lá entrego. Entrego e digo: ordem cumprida. Depois o resto se aguenta-se como for, mas a entrega já foi feita, não sou homem de parar nomeio. (...) Nem que eu estupore. Quero ver esse bom em Aracaju que me diz que eu não posso, porque eu sou Getúlio Santos Bezerra e igual a mim ainda não nasceu. (...) Corro, berro, atiro melhor e sangro melhor e luto melhor e brigo melhor e bato melhor e tenho catorze balas no corpo e corto cabeça e mato qualquer coisa e ninguém me mata. E não tenho medo de alma, não tenho medo de papafigo, não tenho medo de lobisomem, não tenho medo de escuridão, não tenho medo de inferno, não tenho medo de zorra de peste nenhuma."
(trecho de Sargento Getúlio)
Uma obra plástica
João Ubaldo conheceu o cineasta Glauber Rocha de quem se tornou amigo e parceiro. E apesar de não ter enveredado pelo cinema, ajudou na produção de várias versões de seu trabalho para o teatro, o cinema e a televisão; outras vezes chegou a ser corroteirista de trabalhos como o do amigo Jorge Amado; no final da década de 1990, em parceria com Cacá Diegues, redigiu o roteiro para o longa-metragem Tieta do agreste.
Lima Duarte como protagonista de Sargento Getúlio. O ator além de viver esta personagem no cinema, também viveu na TV a personagem principal de O santo que não acreditava em Deus. Foto: O Globo. |
Em 1983, o romance Sargento Getúlio foi sob a direção de Hermano Penna e com Lima Duarte no elenco levado para o cinema; mais tarde, em 2003, ainda em parceria com Cacá, João Ubaldo ajudou com o roteiro de Deus é brasileiro, filme produzido a partir de um conto seu.
Na TV, a obra O sorriso do lagarto chegou a ser minissérie exibida na Rede Globo, então escrita por Walther Negrão e Geraldo Carneiro. O mesmo livro foi parar no teatro. Por citar o nome do poeta Geraldo Carneiro, a convivência entre os dois renderam alguns trabalhos interessantes como a adaptação de seus contos em O santo que não acreditava em Deus (1993), O poder da arte da palavra (1994) e A maldita (1995); além do roteiro do especial O compadre de Ogum (1994) baseado no romance Os pastores da noite, de Jorge Amado.
Para o teatro, além da adaptação de O sorriso do lagarto, em 2000, o livro A casa dos budas ditosos foi transformado num monólogo com Fernanda Torres e direção de Domingos Oliveira.
Ligações a esta post:
>>> Entre os meses de junho e julho de 2014, o blog realizou a compilação de uma série de textos para um especial chamado Gol de Letra; leia a crônica "Joãozinho Malvadeza", em que o escritor lembra sua passagem como jogador de futebol.
>>> A sinopse de cinco romances principais da obra de João Ubaldo.
>>> No Tumblr do Letras uma galeria com imagens raras do escritor + o escritor com alguns importantes nomes da cena literária e artística como o amigo Glauber Rocha
* Fonte: Site Releituras, Klick Escritores, Academia Brasileira de Letras, Jornal O Globo, Wikipédia. Foram feitas atualizações neste texto em 18 de julho de 2014.
Comentários
Grande, grande...
Força, meu amigo.
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