Um conto de Objecto quase, de José Saramago

José Saramago. 1989.


Falamos aqui de Objecto quase, de José Saramago. E hoje gostaríamos de voltar ao livro para apresentar um dos contos mais interessantes do conjunto das seis peças que compõem esta publicação. Trata-se do conto "Cadeira". 

O conto abre o livro e foi escrito a partir de uma notícia solta na época da ditadura de Salazar de uma queda sofrida pelo ditador; a narrativa então reimagina o acontecimento figurando em câmera lenta a queda deste homem execrável depois de se sentar numa cadeira já carcomida pelos carunchos. Dados atestam que Saramago iniciou a escrita do conto em setembro de 1976, depois de reunir suas crônicas publicadas no Diário de Notícias no livro Os apontamentos

O livro de contos foi publicado em fevereiro de 1978 e é uma obra de transição, em que o escritor experimenta-se em formas literárias, de linguagem e de construção narrativa. 

Sobre o livro, Saramago comentou certa vez: "Não me parece que o Objecto quase seja uma sequência de quadros, como igualmente não resultou de uma justaposição de textos escritos ao sabor das circunstâncias. O livro tem um projecto e um plano, propõe-se claramente contra alienação - a epígrafe de Marx e Engels não está lá por acaso. Eu diria, provavelmente com algum exagero, que cada texto decorre do texto anterior, e o primeiro deles, que materialmente não tem anterioridade, toma como referência textual um texto ausente..."

A epígrafe que coloca no texto é extraída de A sagrada família: "Se o homem é formado pelas circunstâncias, é necessário formar as circunstâncias humanamente". 

"Cadeira" é uma descrição quase sádica, de riso solto, sobre os pormenores envolvidos na queda de um ditador. Salazar, certamente. Lá não está o nome da figura, mas sua presença é sentida não apenas no episódio citado, mas nos referentes utilizados pelo narrador e no contexto de escrita do conto. A queda, assim, participa no interesse de desalienação do homem e, consequentemente, da sua libertação do estágio de quase objeto

É um texto delicioso. Leia aqui.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

Boletim Letras 360º #610

A poesia de Antonio Cicero

Mortes de intelectual

Boletim Letras 360º #600

Boletim Letras 360º #601

Seis poemas de Rabindranath Tagore